Sábado, 4 de Junho de 2005

Dramatização mediática: a quem serve?

por Leonardo Boff

A embriaguês mediática provocada pela morte de um Papa e a entronização de outro ou pela festa de Corpus Christi, mobilizando milhões de pessoas pode nos induzir em erro quanto ao verdadeiro significado das expressões religiosas. Estas manejam símbolos que, por sua natureza, são inevitavelmente ambiguos.

Todo símbolo possui duas direções. Uma aponta para fora, para o Sagrado - para isso existe - e outra aponta para si mesmo, com o risco de esquecer o Divino e o Sagrado e se considerar um fim em si mesmo. É o que acontece com mais frequência. Então inflaciona-se a profusão das imagens religiosas, construidas habilmente pelos mestres da dramatização mediática, a fim de produzir emoções e mais emoções, pouco importa se estas lembram ou não o Sagrado.

Mudanças de vida não ocorrem, nem precisa. Os fiéis se eletrizam, vão às lágrimas, gritam por milagres e canonizam imediatamente seu lider religioso: "Santo subito", "santo agora mesmo". Muitos cardeais, bispos e padres se enchem de satisfação, pois vêem o triunfo da religião contra as críticas e suspeitas feitas pela modernidade.

Mas atenção: aqui pode residir um engôdo. Não basta a emoção, precisa-se de reflexão (teologia) para tirar a limpo o problema. A prática originária de Jesus e da Igreja apostólica vai numa linha contrária à encenação pública. Jesus diante de tais multidões usaria um discurso que ninguém da midia reproduziria, pois seguramente seria um ruido insuportável: "Convertei-vos, mudem de vida, cuidem do faminto, façam justiça ao oprimido e não dissociem o amor a Deus do amor ao próximo, pois ambos são uma coisa só".

Como no tempo de Jesus, diante de tal discurso as multidões iriam, provavelmente, embora ou minguariam. E os que tomariam a mensagem a sério poriam em marcha uma verdadeira revolução molecular e construiriam uma humanidade mais sã. Imaginem a revolução social que haveria no Brasil se as milhares de escolas cristãs e as muitas universidades católicas apenas ensinassem e levassem seus alunos a viver esse preceito de Jesus: "amem os outros como se amam a si mesmos e cuidem dos pobres"? Por que não ocorre?

Porque aqui se confrontam dois tipos de cristianismo: o devocionista e o libertador. O devocionismo veio com a colonização e é hegemônico. Ele não coloca o acento na mudança mas na aceitação da doutrina proposta pela Igreja. Sem a sã doutrina, diz-se, ninguem se salva. Mas pela ignorância generalizada, poucos a conhecem. Então o recurso é a devoção aos santos fortes, dai o devocionismo.

O criminoso Escadinha antes de assaltar, fazia o sinal da cruz e se agarrava ao escapulário de Nossa Senhora Aparecida, pois, segundo ele, a Santa fechava o corpo. Eis o devocionismo, desligado da ética e da mudança de vida. Esse tipo de fé não é cristã, é fetichista. Mas é o que se pratica comumente.

O cristianismo de libertação sempre esteve presente, mas só ganhou relevância a partir dos anos 50. O que salva não são prédicas mas práticas. A doutrina desvinvulada da prática da justiça, segundo Jesus, é letra que mata, é ausência do espirito que vivifica, é fazer o homem para o sábado e não o sábado para o homem. Se não resgatarmos esta visão apenas fazemos o jogo do mercado mediático. Este, usando a religião, visa apenas entreter, lucrar e jamais mudar as pessoas e o mundo, pois é isso que importa.

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Sexta-feira, 3 de Junho de 2005

Kierkegaard

“O desespero mais comum é o de não se ter escolhido ou de não se querer ser quem é; porém, a forma mais profunda de desespero
é escolher ser outra pessoa que não a si mesmo.
(Kierkegaard)

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