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RESENHAS

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De Lustosa da Costa a Ernest Hemingway - a aventura de viver

Eduardo Bettencourt Pinto*

"A idade avançada é uma chatice. Eu não a recomendo". J. Michael Yates



Os escritores são as pessoas mais chatas do mundo, já ouvi dizer. Não me lembro, contudo, de quem o disse. Também não é assim tão importante. O estereótipo, claro, é um exagero. Mas há casos evidentes disso. No entanto, prefiro recordar-me, por exemplo, de Ernest Hemingway (1899-1961): aventureiro, caçador, pescador de emoções. Apreciava um bom vinho, tertúlias, o prazer longo das horas nocturnas. Escrevia com a vida, ou seja, segundo as suas experiências. Outro caso é o de Pablo Neruda (1904-1973). Confesso que vivi, o título das suas memórias, é um notável documento de um poeta fascinante. As páginas, densas de eventos, passam-nos pelos olhos como um filme. John Steinbeck (1902-1968), por seu turno, fazia a apologia da experiência como forma de fixar a sua escrita com as mais fidedignas imagens da realidade humana. As suas narrativas, recorda-se, nunca foram um circunlóquio em torno de uma ideia de vida. Levavam, sim, experiências. Bem como a respiração, suada e dorida, de gente perdida no imenso vendaval de contradições e injustiças sociais. Recordo-me, vivamente, das emoções que me assaltaram no dia em que visitei Salinas, Califórnia, cidade natal do escritor. Sob uma vitrina, na biblioteca com o seu nome, estavam alguns dos seus manuscritos. A sua caligrafia, miudinha e torrencial, parecia um carreiro de formigas frenéticas devorando a cor sépia do papel.

O próprio Eça de Queiroz (1843-1900) era, como sói dizer-se, um bon vivant. Adorava viajar, conhecer terras novas, gentes, hábitos diferentes, a vida folgada da burguesia. Maria Filomena Mónica, que escreveu uma admirável biografia do escritor, dá-nos conta do seu percurso existencial e de quanto este influenciou o seu imaginário e criatividade.

Se for, porém, um pouco mais longe em termos de liberdade de expressão, terei de evocar o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez (1950). Numa manhã de ócio no Rio de Janeiro, enquanto o sol, magno, anavalhava as cortinas do hotel com a impulsiva claridade dos trópicos, dei com ele no canal da Globo. Estava no Brasil para lançar o seu livro O Rei de Havana. Diante de mim, no pequeno ecrã, encontrava-se o mais perturbador escritor cubano da actualidade, vestido de branco, muito à vontade, a divagar sobre Literatura. Logo após a entrevista, saí a comprar o seu livro numa airosa livraria de Copacabana. Um aviso: a sua escrita não é recomendável aos mais puritanos. Na Alemanha, por exemplo, o seu livro Trilogia Suja de Havana foi classificado como pornográfico. Para alguns, é tido mesmo como o Henry Miller (1891-1980) latino. Independentemente dos temas que aborda (em certa medida idiocromáticos e obsessivos) e da sua arrepiante crueza descritiva, ele traz para o texto as idiossincrasias, aberrações, poesia e lutas quotidianas de um povo a resistir contra as vicissitudes da vida nas condições sociais mais precárias e inimagináveis. Este, reconhece-se, sobrevive heroicamente mal-grado as impenitentes sanções económicas dos Estados Unidos e o punho de ferro de uma ditadura que se tem aguentado desde 1959 graças (goste-se ou não) à astúcia e inteligência de Fidel Castro. Num regime de extrema vigilância política e de inqualificáveis desmandos aos direitos humanos, não é fácil escrever sobre uma sociedade cujo aperto ideológico e civil ironicamente se deve, em parte, à intransigência de Washington e à altivez cega e burocrata de alguns dos seus iluminados. Mas o certo é que a dança trágica de um povo, entre ruínas, carros velhos, rum, sexo frenético e prostituição alimentada pelos canais turísticos, graças a Gutiérrez ficamos a ter melhor conhecimento dessa perturbadora realidade social. Quer se goste ou não do que escreve, ele não é, de modo algum, daqueles tipos formais e rígidos que escondem sob o fato e a gravata uma vida de bocejo, e em cujo ego rebrilham os mais díspares cinismos. Aparentemente babélico e extravagante, Pedro Juan Gutiérrez viveu, contudo, e quase na sua totalidade, tudo quanto tem escrito.

Recentemente, porém, surpreendeu-me um escritor brasileiro: Lustosa da Costa. Nasceu em Cajazeiras-Paraíba, a 10 de Setembro de 1938. Advogado de profissão, no entanto tem repartido a sua actividade profissional pela docência na Universidade Federal do Ceará, jornalismo político em Ceará, Brasília, Rio de Janeiro e S. Paulo (Correio do Ceará, Unitário, Tribuna da Imprensa, O Estado de S. Paulo, Correio Brasiliense, Jornal da Tarde e Jornal de Brasília, mantendo actualmente uma coluna diária no Diário do Nordeste, em Fortaleza), e até em cargos públicos. O seu romance, único até à data, Vida, paixão e morte de Etelvino Soares, mereceu da crítica os mais rasgados elogios.Conheceu até uma edição portuguesa.

Os seus títulos mais recentes, Sobral Cidade das Cenas Fortes e o Dicionário do Lustosa, foram publicados no rescaldo de um percalço cardíaco que hospitalizou o escritor. Essa circunstância ditou a celeridade destas publicações. Foi, aliás, a um amigo, Paulo Elpídio de Menezes Neto (o qual assina o excelente prefácio deste último título), a quem delegou a organização dos seus textos. Ambos os livros saíram sob a chancela das edições da ABC Editora.

Sobral Cidade das Cenas Fortes é um relato minucioso da cidade de Sobral. Lustosa da Costa regista nele as suas movediças areias políticas e sociais onde se movimentavam as influências de padres notáveis, como D. José Tupinambá de Frota e do seu protegido, padre José Palhano de Sabóia. Dicionário do Lustosa, por seu turno, reúne, por ordem alfabética dos seus títulos, mais de duzentas páginas de saborosas crónicas.

Se o trabalho ficcional de Lustosa da Costa revela um prosador de primeiro plano, nas crónicas, mesmo nas mais curtas, denota a mesma exigência estética e engenho expressivo, bem como similar gosto pela palavra depurada. Utiliza-a como um instrumento de esgrima contra o superficial, o corrido, o desatento. Culto, admirador dos grandes mestres da Literatura mundial, entre eles Eça de Queiroz, escreve com a desenvoltura do escriba que sabe do seu ofício, conhece o seu tempo e ama, de um modo apaixonado, a vida. «Há quem diga - escreve a dado momento e com certa entoação bíblica - que a arte imita a vida. Em verdade, em verdade vos digo: a vida é muito mais criativa. Mais engenhosa. O maior romancista do mundo é o Destino.»

É sobre as arbitrariedades desse mesmo destino que o cronista usa de humor fino, não capitulando perante as contrariedades. Mesmo nos momentos mais difíceis. Como neste, em Paris, e nas vésperas de ser operado: Quando, em Paris, mostrei ao cirurgião cardiovascular Leonardo Esteves Lima meus exames, ele foi taxativo: «Você pode morrer, a qualquer instante. Nem demora. Não dá tempo nem para sentir dor». Apesar de tão drástico anúncio, fui remanchando e só oito, nove meses, depois submeti-me à curiosidade do bisturi de seu chefe. Que antes de me amputar a aorta, falou dos graves riscos da intervenção cirúrgica que me era reservada.

Pois bem. Não tomei maiores providências no que diz respeito a dinheiro - talvez porque nem adiantasse, nem cuidei do dia seguinte da família. À véspera de me hospitalizar no Pitié-Salpêtrière, fui, porém, à manicure. Se me tivesse de apresentar ao Senhor que me encontrasse, pelo menos, de unhas cuidadas. Quando na barbearia conto tal facto ao Pádua Barroso, o grande advogado lembra a mãe que, à véspera de qualquer crise cardíaca mais grave, convocava cabeleira e manicure, alegando não desejar ser defunta mal tratada, desleixada. Precisava fazer cabelos e unhas, para assim comparecer junto a Deus-padre.

«Tudo o que o dinheiro pode comprar é barato», aparece algures nestas páginas. Amiúde deparamos com aforismos assim, de chofre. São a sabedoria de um viajante sereno entre espaços emocionais, relatando eventos, abrindo-se em confissões, descobrindo sombras históricas. Sincero sem cair na frontalidade grosseira, optimista perante o trágico e o inevitável (ao compreender, por exemplo, que as sinuosidades existenciais partilham com o cronista insondáveis contornos exasperantes, mormente quando confrontado com a sua própria efemeridade), elegante na sua dor e nunca piegas.

Certamente que o imaginário brasileiro sempre me atraiu. Sobretudo por aquilo que tem de africano e tropical, pela sua irradiante profusão de vivências e miscigenação. O próprio escritor, aliás, confessa ser parte dessa enorme e diversa árvore genealógica:

Não sou de origem anglo-saxã. Sou latino, sou grego, sou francês, sou luso, sou africano, sou índio, sou cafuzo, sou mestiço, uma mistura de tudo isso. Sou um brasileiro a mais que não nega nem quer esconder sua origem.

A escrita de Lustosa da Costa ressoa na esfera cintilante do intelectual honesto, do ser humano vibrante ante os desafios de cada dia, do artesão capaz, prolífico e orgulhoso do seu ofício. Um homem fechado no seu laboratório de escrita não chegaria ao limiar desta voz onde passam, em voo raso, os elementos essenciais de uma existência consciente das suas escolhas, vivências, gostos, prioridades e objectivos. Mesmo contra a corrente. Como aliás o demonstra, de forma inequívoca, na crónica intitulada Fugindo dos chatos:

«Vocês acreditam que um cabra de velho de 64 anos, como eu, que viveu tantas experiências, está carecendo de quem lhe abra os olhos? De quem o advirta para não sorver o bom rouge, o queijo de qualidade, o camarão, a lagosta para não engordar, não elevar o ácido úrico, o colesterol? Será que um velhote destes não sabe o que deve ou não deve consumir? Um dia destes fui colhido por uma chata que se dispôs a estragar meu frango, na casa de querido amigo. Queria porque queria embargar o consumo do Johnnie Walker, rótulo preto que irrigava o consumo do churrasco. Como se não bastasse importunar-me, tenaz, ainda foi perturbar os filhos tentando fazê-los militantes da BACOVI - Barreira Contra o Vício. Felizmente, não conseguiu o que queria: nem estragou o almoço nem me salvou o fígado.»

Esta é a voz da terra antiga e da amizade. Sobretudo dos momentos que perduram além dos íngremes muros do Tempo. E desse Brasil complexo, que se orgulha de si mesmo apesar das suas mais díspares contradições. Escrita em tom diarístico, coloquial até, que revela as infusões da alma do seu autor, feliz por estar aqui, comovido, consciente, saboreando as delícias do seu rouge enquanto as palmeiras se desnudam com o fresco vento da tarde. Faz-nos bem tanta honestidade, tanta alegria. Escrita que é mais do que um exercício de catarse. É um olhar que perdura, de tão íntimo. E que vibra como uma semente. Que germina. Mesmo depois de se fechar o livro após a página final.

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Sobre o Autor

Eduardo Bettencourt Pinto: Nasceu em Gabela, Angola, mas iniciou a sua vida literária em Ponta Delgada (Açores). Fez do Canadá a sua terra em 1983. Seus últimos livros publicados incluem poesia: Tango Nos Pátios do Sul (Campo das Letras, Porto), e Um Dia Qualquer em Junho (Instituto Camões, Lisboa), e ficção: Sombra duma Rosa e O Príncipe dos Regressos (Edições Salamandra). A antologia de Pinto, Águas de Soledade, a publicar em 2004 no Funchal, Madeira. O seu trabalho é lido por todo o mundo devido ao seu regular contributo para revistas e periódicos.

Eduardo Bettencourt Pinto
Visite o autor em: http://www.geocities.com/ebpinto
Seixo review, revista de Letras & Artes: http://www.seixoreview.com

 

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