início da navegação

RESENHAS

(para fazer uma pesquisa, utilize o sistema de buscas no site) VOLTAR IMPRIMIR FAZER COMENTÁRIO ENVIAR POR E-MAIL

A LÁBIA ÉBRIA EM NOVA YORK

Dennis Radünz*

Um estrangeiro extravaga pelo Harlem – brasileiro reles no rebuliço de hispânicos, afros e ianques, Joca Wolff soletra em sua língua remota a poesia híbrida que nasce de todas as mesclas da Meca do pós-capitalismo. Da passagem súbita pela órbita da metrópole, o estrangeiro extraiu a lábia ébria de “Pateta em Nova Yorque” (Letras Contemporâneas, 60p. R$ 15), um breviário de poemas exorbitantes que se revelam ao ritmo do rithym & poetry, do jazz, do graffiti, do ready-made e, não raro, do mais baixo calão. Tudo isso com instantes de linguagem límpida, tramada pelo jogo jocoso que embebe um texto cítrico (e crítico) de incendiar a língua.

“Pateta em Nova Yorque”, o livro de Jorge Hoffmann Wolff, reúne boletins poéticos (entre 23 de dezembro de 2000 e 18 de fevereiro de 2001) das ocorrências do então doutorando em Teoria Literária, numa série de registros, ora ríspidos, ora torrenciais, em que assomam saudades, sonhos e leituras, ao lado de instantâneos urbanos (a exemplo do par de sapatos suspenso no semáforo) e uma jam-session infindável de achados verbais (“viano e piolino”), frases de efeito, corruptelas e comentários de rodapé que expandem (ou contradizem) o significado dos poemas. Assim, “Pateta em Nova Yorque” – atente-se à grafia inexata do título, que alude ao nome da cidadela de cinco mil habitantes situada no Maranhão – pode ser lido como a celeuma bem-humorada que mistura idiomas e, nas entrelinhas, ironiza a condição de “extraditado”: no exterior, o anônimo incorpora as identidades alheias, encena-se/as, se faz patético. Ou, em outros termos, mescla-se sem limites a inúmeras etnias e estratos sociais discordantes.

Nesse contexto, Joca Wolff refaz o trajeto de Sousândrade, poeta maranhense do século XIX, que dedicou o décimo canto de seu épico pré-modernista “Guesa Errante” (1876) a uma crítica pioneira ao capitalismo. “Inferno em Wall Street”, o canto, mistura ícones de extração erudita – Homero, Dante e Shakespeare, Byron e Tennyson – a listagem de grevistas da época, na tentativa (vã, às vezes) de incorporar ao poema as estratégias de leitura do então inovador “jornal ilustrado”. Joca Wolff, no entanto, move-se no espaço nova-iorquino sem nenhum motivo épico, mas com idêntico estranhamento, doutor-bolsista, morador de um bairro negro e munido apenas de sua blague contra os biltres consumistas: “...metralhas aqui/são carapálidas”.

Por isso, o salto mordaz do ‘pateta’ sobre o abismo de dois mundos disfarça o blues e o banzo que tomam o poeta, na sua condição de infra-americano, como evidencia o texto “Dialética sem síntese panamericana”: “SE/a arrumadeira passa com ruído/e roupa de presidiária/junto dos laptops bem-pensantes/na universidade privada/e norte-americana/E/a faxineira passeia a vassoura/em traje colorido esporte/ao lado dos bárbaros estudantes/da universidade pública/e brasileira/LOGO/riqueza é riqueza/e vice-versa”. Imagem de uma exclusão provisoriamente eterna.

Ainda assim, inebriado pela ginga do linguajar de origem, o poeta em Nova York ensaia lances de um idioma português embriagante, escrito com a surpresa de uma sintaxe imersa na amnésia e, por isso, contrabandeia às claras empréstimos lingüísticos de toda e qualquer laia. Isso para criar o cipoal de signos de vária espécie que traz em si a música do improviso.

Música dissonante que, às vezes, encadeia textos de estranhíssima leveza, como o poema “Da boca pra dentro”: “de onde sai o riso/senão do limo da língua/cama elástica e microfônica/face a face com os dentes/na abertura que fornece à mente/o devir de breves gritos”. Ou, ainda, a beleza confusa de um estado de consciência espacial alterado: “... vá fundo/até a superfície/pra falar alto/das coisas divinas/do mais baixo calão” (poema “Canção profunda sem letra no imperativo”, dedicado aos junkies).

“Pateta”, petardo de poesia anti-romântica, crítica e contemporânea, extravasa o linguajar para traçar o mapa dos atalhos de uma estada real e imaginária nas terras do Harlem (estada lúdica possível apenas antes do abate das torres gêmeas), bairro real/imaginário que, no fundo, compõe-se dos desvios interiores em que o poeta Joca Wolff trafega com ímpetos de centro-avante. Seu livro é relato de viagem que se faz jogo jocoso, espanto e exploração de linguagem, como há muito não havia na "língua brasileira". “Pateta em Nova Yorque” é um livro para extravagar-se.


Sobre o Autor

Dennis Radünz: Dennis Radünz é autor de Exeus (UFSC/Letras Contemporâneas, 2a. ed., 1998) e Livro de Mercúrio (Letradágua, 2001).

 

< ÚLTIMA RESENHA PUBLICADA | TODAS | PRÓXIMA RESENHA >

LEIA MAIS

Mapa das Culturas Vivas Guaranis,  por Dinah Guimaraens.
Perguntas como "Tem índio no Rio de Janeiro?" parecem ecoar ainda hoje, sem obter resposta adequada, razão pela qual "Museu de Arte e Origens: mapa das culturas vivas guaranis" tem como principal objetivo informar ao público e aos estudiosos da cultura e da história brasileiras alguns aspectos pouco explorados de nossa realidade indígena.  Leia mais
Fim de Tarde,  por Daniel Mazza Matos.
Fim de Tarde é o primeiro livro de Daniel Mazza Matos. A obra é composta por poemas escritos no período de 1993 a 2003, marcando, assim, o término de mais de uma década de silenciosa produção literária.  Leia mais

Faça uma pesquisa no sítio

Utilizando-se uma palavra no formulário, pesquisa-se conteúdo no Sítio VerdesTrigos.

Ir ao início da página