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Bola na trave

por Nelson de Oliveira *
publicado em 29/06/2006.

Esticado no vienense divã do analista eu confessei, futebol me lembra morte, velório, cemitério, futebol me lembra o silencioso sono eterno. Ele, sempre impassível, sempre germânico, não disse nada.

Entrelacei os dedos sobre o abdome e continuei, dizem que o treinador da seleção do Equador impôs abstinência sexual aos seus jogadores durante a Copa. Sexo me lembra vida. Futebol sem sexo é como vida vegetativa, é como vida sem vida, se é que isso faz sentido.

Para os analistas tudo faz sentido, então não fazia muito sentido essa minha retórica observaçãozinha final.

Fora do consultório, no terreno baldio em frente à rodoviária, oitocentos moleques corriam atrás da bola. Oitocentos? Não exatamente, mas a algazarra que faziam... Insuportável.

Não sei por que futebol me lembra morte. Gosto de ir aos estádios, gosto das finais do campeonato, adoro as competições internacionais. Mas essa história de proibir o sexo durante a Copa... Não sou jogador nem sou equatoriano, mas amor é amor em português ou espanhol, inglês ou alemão.

Lá fora a partida pegava fogo. Gritos, uivos, palavrões. Oitocentos pivetes, ou quase isso, cobrindo de poeira os ônibus que saíam ou chegavam.

O analista? Distante mil quilômetros da várzea poeirenta e do consultório. Em que gramado seus pensamentos jogavam, sei lá, era difícil dizer.

Ontem mesmo, assistindo ao jogo do Brasil, meu coração quase explodiu. Faltou muito pouco pra que eu fosse desta pra melhor...A bola na trave, ah, no minuto final! Aquela bola foi meu coração se arrebentando contra a trave adversária.

Gritaram gol no terreno baldio e o grito veio acompanhado do buzinaço dos ônibus. Tive que tampar os ouvidos pra agüentar o tranco, meu coração vibrou. O de meu analista não. O sujeito não moveu sequer uma sobrancelha, seu músculo cardíaco era frio feito pedra.

Essa indiferença me deixou furioso. Subi no divã e gritei, acorda, camarada, deixa a vida pulsar dentro de você!

Em pé no vienense divã (a sola dos sapatos imundas) eu me sentia vigoroso, cheio de saúde e disposição. Em verdade vos digo, eu militava em favor do fluxo ininterrupto da vida, eu gritava, ânimo, meu velho, olha só, aprende comigo: só é frouxo quem quer.

Ele tirou os óculos e ficou me encarando. Na verdade seu olhar frio e severo não estava em mim, estava na porta atrás de mim. Estava na secretária, que acabara de botar o pé dentro da sala.

Ele questionou-a só com o olhar. Ela falou do telefonema de meio minuto atrás: ontem, durante o jogo, eu havia sofrido uma parada cardíaca e agora estava em coma na UTI.
Sessão cancelada.

Ele levantou, saiu da sala e fechou a porta.

Eu fiquei aí, com cara de bobo. Com cara de zero a zero, com jeito de bola na trave.

Caramba, na UTI?!

Gritaram novamente golno terreno baldio e o grito veio outra vez acompanhado do buzinaço dos ônibus. Euforia, festa, riso, palavrão e mais palavrão.
Sem analista a sessão não podia continuar.

Atravessei a parede e fui me juntar aos oitocentos moleques alucinados no campinho em festa.

Sobre o Autor

Nelson de Oliveira: Nelson de Oliveira nasceu em 1966, em Guaíra, interior de São Paulo. Em 1995, recebeu pelo livro Fábulas o Prêmio Casa de las Américas, e em 1996 venceu o concurso promovido pela Fundação Cultural da Bahia com Os saltitantes seres da lua, também de contos. Em 1998, aos 32 anos, saiu Naquela época tínhamos um gato (Companhia das Letras). Escreveu ainda os romances Subsolo infinito (2000) e A maldição do macho (2002).

Em 2001, Nelson de Oliveira organizou a antologia Geração 90: manuscritos de computador, reunião de contistas brasileiros surgidos na década de 90. Em 2003, o autor lançou o último volume do projeto, Geração 90: os transgressores; editou, com Marcelino Freire e Tereza Yamashita, a revista PS:SP e publicou ainda o livro Anseios Cripticos (Escrituras, 2003). Nelson tem atuado intensamente em diversas frentes, seja como contista, romancista, cronista e resenhista. Já publicou nas revistas Cult e Ficções (RJ), além dos jornais Folha de S. Paulo, Correio Braziliense e O Globo. Atualmente escreve para o suplemento Rascunho (Curitiba), Revista Bravo! e Coyote (Londrina, PR).

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