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Massagem na Praça

por Airo Zamoner *
publicado em 26/06/2006.

Por que ela estava ali, naquele banco, em meio às frondosas árvores da Praça da Cultura? Praça da Cultura, não. Praça Santos Andrade, por onde passo muitas vezes, pisando distraído na cultura que emana deste centro fervente de Curitiba.

Ela estava ali porque marcara um encontro. Seria o encontro decisivo. O último. Estava cansada de sua abominável clandestinidade afetiva. Remexia-se no banco, incomodada por ter que enfrentar uma situação tão inusitada em sua vida. Estava tensa. Os ombros doíam. O lenço escuro amarrado na cabeça. Lenço que ela comprou ali na Rua João Negrão, bem perto da antiga estação rodoviária, naqueles mascates de carrinho verde, tão organizados nas esquinas. Lenço de quinta, tão diferente daqueles abundantes em seu closet. Melhor usar um lenço destes, amarrado na jugular, cobrindo a cabeça. Assim não seria reconhecida. Comprou também um óculos escuro. Lentes grandes funcionavam como máscara, escondiam boa parte do rosto. Estava segura para sentar ali, em plena Praça da Cultura.

Olhava a hora no celular e se agitava. O tempo não passava. Perguntava-se porque teria chegado tão cedo. E o desgraçado que não aparecia! Relaxou os músculos do pescoço, que também doíam. As pernas cruzadas balançavam involuntariamente. Tentou fazê-las parar. Olhou em volta da praça. Alguns pedintes. Alguns, bêbados já nesta hora, tão cedo. Gente se aglomerando no terminal de ônibus. Viu a Universidade Federal do Paraná ainda ali, do mesmo jeito, atravessando um tempo infinito. Tempo em que tagarelava nas escadarias, aguardando mais uma aula de Direito Romano. Virou o rosto e lá estava o Teatro Guaíra. Não fazia muitos dias, aguardava na fila para assistir... O que mesmo? Nem lembrava mais. Também, estava com o marido e o desgraçado, aquele descarado ali ao lado, sorriso sarcástico, abraçando a esposa, deixando-a desesperada. Onde já se viu? Como podia lembrar que peça era? Ou nem era peça alguma, mas uma formatura, talvez.

Olhou para aquele busto de pedra. Era ela, a Júlia. Como era mesmo o sobrenome da Júlia? Distraiu-se. A Júlia, ali no meio deles. O Nilo Cairo, o Victor Ferreira do Amaral, até Rui Barbosa e o Santos Dumont, o Alberto. E o desgraçado não vinha! Precisava urgentemente resolver aquilo. Nem sabia mais como tinha se envolvido com o desgraçado. Vivia um tempo de angústias. Não que se arrependesse totalmente. Fernando a satisfazia em quase tudo. Mas a aflição de uma vida dupla a massacrava. Não tinha estômago para isto. Era uma conversa definitiva e tinha que ser numa praça pública! Lembrou-se! Wanderley. Júlia Wanderley. Que contra-senso, pensou. E pensou com lógica. Quero resolver isto numa praça pública e estou me escondendo atrás destes óculos, deste lenço! De repente, veio a sua mente um trabalho sobre Júlia Wanderley que fez no tempo do Colégio Estadual. E o que lembrou daquele trabalho? Quase nada. Júlia foi professora, nasceu em Ponta Grossa. Lembrava só isto.

Olhou na tela do celular. O desgraçado estava atrasado e nem tinha a decência de telefonar. O que estaria acontecendo? Não, Júlia foi algo mais além de professora. Olhou os canteiros. Algumas flores dispersas se desorganizavam por ali. Sim, como não lembrei antes? Flores Dispersas. Um dos livros de poesia da Júlia Wanderley. Era poeta. Ou seria poetisa? Por onde anda o desgraçado?

Quero ser bem firme e dizer, fixando os olhos dele, que tudo está acabado. Não quero mais continuar com isso. Quero ter minha vida de volta. Normal, como toda mulher decente. Essa dor nos ombros está me matando! Uma massagem seria tão bom... Isto, aperte mais um pouco. Mais para o lado. Assim. Hum... Que alívio! O que? Fernando? Seu desgraçado. Por que demorou tanto, amor? Estava tão aflita! Por que estou disfarçada? Ora, não seja ingênuo. Sim, tenho coisas muito importantes para resolver com você. Mas, antes termine essa massagem que está deliciosa...

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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