Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Chico Lopes


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Carlos Felipe Moisés: noturno com jazz, blues, tango e "morte árabe"

por Chico Lopes *
publicado em 03/11/2008.

Os que ainda não descobriram que Carlos Felipe Moisés é um dos maiores poetas brasileiros vivos, dos que estão aí há algumas décadas escrevendo poesia com um sucesso de crítica que sabem que infelizmente jamais terá a propagação merecida, poderão fazê-lo agora, no próximo dia 24, quando ele lançará seu novo livro de poesia, "Noite nula", no Bar Balcão, em São Paulo.

É um livro de poesia incomum, a começar pela capa. Conversando com Moisés, ele me disse que a achara pouco convencional. De fato, lembra a capa de um almanaque, com figuras célebres (as mais reconhecíveis, de imediato, são as de Billie Holiday, Theda Bara e Carlos Gardel) e quebra o padrão dos livros do gênero, que em geral trazem imagens vagas, alusivas ou abstratas, como se a poesia fosse sempre alguma coisa um tanto incorpórea, como se não se relacionasse a carne e sangue e osso e nervos.

Não é o caso do projeto de Moisés, ainda que sua escrita remeta aos terrenos mais para abstratos (palavra, afinal, filistéia) do gênero, e nem poderia deixar de remeter. O livro é cheio de um calor humano incomum. É um projeto de afeto, desespero e ironia. E música. Em alguns momentos, como na saudação a Charlie Parker, é impossível que os admiradores da boa poesia e do grande músico não se sintam comovidos até as lágrimas, se prestarem atenção à forte mescla de ritmo e comoção que move o poema. Começa pela lembrança do "Charles Anjo 45" de Jorge Benjor e vai para o infinito, com todas as asas a que o poema (e o leitor) tem direito.

E com que artes e feitiços foi que Moisés escreveu esses dois poemas incríveis para Sidney Bechet e Leadbelly e por que o tema do trem, da fuga ferroviária e musical, num ritmo que se reflete nos versos, da disparada lírica, é tão onipresente neles? Não se sabe - só se sabe que a gente dispara em fuga com Bechet e Leadbelly (a fuga deste - como a fuga da Música, da Poesia - jamais foi prosaicamente detida por cadeia alguma das muitas pelas quais passou).

Ao cantar Bessie Smith, Moisés nos põe diante daquele monumento, a imensa mulher negra cuja voz brota do útero, como ele sentencia e ninguém vai ser doido de negar. E em Billie Holiday o poder de sugestão da escrita de Moisés vai nos dar um "Pássaro cego, asas/a ruflar no coração da noite nula, a espalhar por aí o esplendor/ de seus castelos, carícia/no dorso da pantera/silvo de serpente ensolarada:/mansidão de vendaval." E, naturalmente, é Borges quem baixa num Moisés consciente quando ele diz, no final de seu lindo poema a Carlos Gardel, "El Morocho a cantar/como quem acabasse/ de descobrir o segredo, ah! (e o desdenhasse)/o vão segredo da origem do universo."

"Senhor, a noite veio e alma é vil..."

Fazia tempo não via coisas tão lindas (e tão purgadas, sóbrias e irônicas) sobre a Noite, musa-mor do Romantismo e de tantas outras variações sombrias/essenciais da poesia desde sempre, como neste livro. Num dos mais belos poemas de "Mensagem", Pessoa (poeta de quem Moisés é notório conhecedor), como numa prece, diz o trecho acima, mas Moisés arma outra noite - uma noite que vai se diluindo, que se ergueu para se desdizer - sua beleza consiste numa espécie de gratuidade grandiosa e ingrata.

Fato admirável, a que sempre me curvo ao ler Moisés, é que seu lirismo se preserva, mesmo em meio a todo seu cordão de ironias e auto-avaliações sóbrias e desiludidas. Nunca se sente em Moisés a tristeza verdadeiramente irremediável de Pessoa. É, aliás, curioso que o poeta, conhecedor da melhor poesia e erudito como é, não pareça nunca obviamente influenciado por esses grandes nomes com quem lida. Cita-os, mas a sua admiração é a de quem tem cartilha própria e se rende à maestria óbvia sem abrir mão da sua dignidade. "Noite nula" começa em verso livre, vai para soneto, e o fecho deste lança: ": o mundo todo enfim enrodilhado/na severa engrenagem do soneto/ Mas o que tem a noite a ver com isso?" A resposta? "Essa noite não é nada". Na medida em que a Poesia é também Nada - ou seja, o Tudo que todos sabemos.

Ao lembrar que Theda Bara é anagrama de "Arab Death" e ao citar, em epígrafe, o alerta de Dylan Thomas para que o velho não entre na suave noite que chega, não ceda, não se deixe levar, sabemos que Moisés está tratando da morte, mas jamais com morbidez, e sim com um humor desiludido que não o impede de amar a vida, e, em meio a muitos desses poemas, notaremos que ele está perfeitamente ciente de que tudo se esvai, de que tudo é prenhe ou destituído de sentido e a vida é enigma ora acolhedor ora profunda e irremediavelmente hostil. O que, afinal de contas, sempre foi melhor para a Poesia, ainda que faça doer todas as fibras possíveis no Homem.

Livro caloroso para os que gostam da verdadeira poesia. É como um presente de afeto poético de Moisés para todos nós. Começa com a troca de e-mails, que virará prefácio, entre Moisés e a poeta e psicanalista Ana Cecília Carvalho e termina com uma conversa entre o poeta e outro poeta, Ricardo Aleixo, a quem o poema a Charlie Parker foi dedicado.

Os poetas verdadeiros jamais se furtam ao diálogo. Ainda que Moisés se reconheça, perante Aleixo, mais para "ensimesmado". Naturalmente, ele se ensimesma para ter o que dizer, ter o que dar. Nisso sua lucidez não o tornou inimigo da humanidade e não parece nunca ter bloqueado a sua generosidade.

Livro : "Noite nula"
Edição: Nankin/SP - 2008
96 páginas - 25 reais
Lançamento: 24/11 - partir de 19, 30h
Bar Balcão - Rua Dr. Melo Alves, 150 -Esq.Al.Tietê
São Paulo - SP

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

Mais Chico Lopes, clique aqui


Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


O feixe de ossos, por Manoel Hygino dos Santos.

O Painel Internacional de Mudanças Climáticas, por Efraim Rodrigues.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos