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O "revival" de ideais estropiados dos anos 60 em dois filmes que precisam ser vistos

por Chico Lopes *
publicado em 12/05/2008.

Dois dos filmes mais interessantes que vi ultimamente têm uma coisa em comum - e que me parece bem regressiva, com uma boa dose de saudosismo melancólico: a filosofia dos anos 60. Grosso modo, trazem um pouco do "Flower Power" e outro tanto do "hippismo" estradeiro que, no Brasil, vigorou mais intensamente foi mesmo nos 70. Nos dois filmes, tive a impressão de uma jornada para trás, para coisas que foram muito bonitas e não deram certo, permanecendo mesmo na esfera dos sonhos e dos desejos. Mas que ainda guardam certo apelo poético.

São "Across the universe", de Julie Taymor, e "Na natureza selvagem", de Sean Penn. "Across the universe", produção norte-americana de 2007, manteve, no cinema e nas locadoras, o título original em Inglês de uma das canções mais bonitas dos Beatles, que apareceu no seu último álbum (também dos mais fracos), "Let it be".

Com esse título, não há dúvida: é um musical, e já abre com o personagem Jude cantando "Girl" (que no Brasil teve uma versão bem conhecida e brega por Ronnie Von). As músicas dos Beatles vão desfilando, e elas têm tanta força, tanta História, tanta carga emocional, que se percebe que a história nos interessa pouco - parece apenas um pretexto para que uma nova canção seja cantada (podemos cantar com o filme; são todas arqui-conhecidas do grande público). E os nomes dos personagens não deixam dúvida: são Jude, Lucy, Max (na certa por "Maxwell´s silver hammer"), Martha, Jo-Jo, Sadie, Prudence. Nem todos os personagens, porém, têm as canções equivalentes a seus nomes cantadas - Jo-Jo, Sadie e Martha ficam na saudade. O filme, aliás, parece ter tido acidentes de percurso, conflitos entre direção e produção, e vai caminhando bem até certa altura para depois mergulhar no sentimentalismo e num certo desnorteamento. Não é certo que Taymor, que provou talento na direção e na criatividade visual com "Frida", cinebio de Frida Kahlo, tenha feito exatamente o que quis.

Ainda assim, a produção tem muito charme. E o que conta é pura nostalgia: o inglês (de Liverpool, of course) Jude, filho de mãe solteira abandonada, vai para a América procurar o seu pai e se apaixona por Lucy, irmã de Max. Daí a pouco, é, para o espectador, a regressão a tudo: o maio de 68, o magnífico "Álbum branco" com a pândega revolucionária de "Helter skelter", aquela coisa de Paz & Amor e de ir para as ruas protestar contra a guerra do Vietnam enquanto, na intimidade, contestando a caretice dos pais, rolam amor livre, drogas (ainda com toda a ingenuidade das crenças psicodélicas) & rock´n roll.

Os melhores momentos ficam por conta das canções, decididamente, e algumas rendem clips marcantes - gostei principalmente da encenação surrealista do alistamento militar de Max ao som de "I want you" (quem quer Max é o velho e sinistro Tio Sam do cartaz de convocação para a guerra). Gostei do clip de "Strawberry fields forever", talvez a mais densa e bela canção dos Beatles, e das brincadeiras psicodélicas, decididamente anacrônicas, mas envolventes e apropriadas, com "I am the walrus" e "For the benefit of Mr. Kite". Mas no número "Because", canção lindíssima do impecável "Abbey Road", a pieguice é ameaçadora. Taymor perde a mão com certa freqüência. Mas Joe Cocker dando as caras para cantar "Come togheter" foi uma excelente idéia. A produção é assim, oscilante, mas com picos irresistíveis.

O que se tira desse filme é menos a história (e os atores principais, Evan Rachel Wood e Jim Sturgess, são jovens e bonitos, mas fracotes) que a experiência encantadora de ouvir aquelas músicas todas outra vez. Funcionam sempre maravilhosamente bem, como se a mágica dos Beatles tivesse uma eficácia indefinida, imune à passagem do tempo. Cantar "All you need is love", com o início que traz a "Marselhesa", até hoje nos faz ter vontade de ir para a rua e beijar as pessoas, dizendo a perfeita sandice cheia de boas intenções que o título proclama.

Podemos beijar quem está ao lado da gente, vendo o DVD. É o máximo. Porque as ruas, hoje em dia, todo mundo sabe o que viraram...

A FUGA DE "ALEXANDER SUPERTRAMP"

"Na natureza selvagem" ("Into the wild"), de Sean Penn, também produção norte-americana de 2007, é uma grande surpresa: do diretor (Sean Penn), ao compositor da trilha sonora (Eddie Vedder, do Pearl Jam), passando pelo ator principal (Emile Hirsch) e o fotógrafo (Eric Gautier), tudo é um acerto.

Na verdade, há tempos eu não via uma produção tão meticulosa e com um visual tão cuidadoso, perfeita moldura para a aventura do jovem Christopher McCandles que, em princípios dos anos 90, forma-se, mas rejeitando a família norte-americana de classe média alta, tipicamente careta e "maioria silenciosa", larga tudo pelo sonho do "pé na estrada" embalado por leituras de Tolstoi, Thoreau e Jack London, indo para uma parte selvagem do Alasca.

Chris, que adotou o pseudônimo de "Alexander Supertramp", realmente existiu, e sua vida foi contada por Jon Krakauer num livro homônimo do filme que fez sucesso mundial.

Chris (ou Alexander, ou simplificando mais, Alex) é um personagem marcante, e Emile Hirsch, sentindo a oportunidade de um grande papel, entrega-se a ele. Entra no filme tropeçando afoito e voluntarioso num palco onde se entregam diplomas aos recém-graduados de uma universidade, a Emory. A mãe (Márcia Gay Harden) e o pai (William Hurt) ficam chateados com a gafe. E aí vamos conhecê-los: suscetíveis a tudo que seja diferente e possa ser considerado ofensivo, conservadores e paranóicos com tudo que os outros possam pensar deles, Gay Harden e Hurt são o casal careta mais hipócrita, pateticamente conformista e consumado que um diretor poderia obter. Há uma irmã, que admira e compreende Chris/Alex, e que será narradora de parte do filme, lembrando as cartas que ele lhe mandava e falando de seus passos, desde o início.

Nos anos 90, quando a história de Chris/Alex acontece, a fantasia "hippie" do "on the road" em busca da felicidade longe do Sistema (sic), estava há muito fora de moda. Por isso o jovem parece estranho - destoa, e ainda mais lendo Thoreau e Jack London ( o volume de "O chamado da selva" aparece claramente numa cena) e querendo viver em realidade ideais que sempre foram generosos demais para se parecerem com a vida. Ele parece uma variação de Jack Kerouac e de seus amigos em "On the road" (e deve haver uma fantasia persistente de volta a esses ideais, já que Walter Salles filma no momento o livro de Kerouac).

Chris/Alex comove porque, um pouco como o Quixote com suas leituras de cavalaria, decidiu acreditar que encontrará a Natureza generosa, onde tudo será autêntico e livre, longe dos pais e da América materialista e repressiva. Vai para a estrada, aceita qualquer tipo de trabalho e vai conhecendo gente à medida em que se encaminha, inexoravelmente, para a região selvagem do Alasca, com que sonha. E o desfile da América, ampla, atordoante, generosa, estúpida, cafona, ameaçadora, com paisagens de tirar o fôlego, vai se sucedendo em suas pequenas e grandes aventuras.

O bom é que Penn não romantiza o personagem - mostra-o apenas, deixando que o espectador o julgue. E dá a alguns atores papéis que ficarão em nossa memória, como, por exemplo, Vince Vaughn, fazendo o inesquecível e libertário Wayne, o casal hippie vivido por Catherine Keener e Brian Dierker, e, finalmente, a grande presença do filme: o velho Ron Franz vivido por Hal Holbrook, numa interpretação que parece algo como o "estado de graça" - o personagem se faz palpável, está ali tão miraculoso e visceral quanto um daqueles personagens em preto e branco de Bergman, e não há quem não se comova com ele (tanto que Holbrook foi indicado a um Oscar de melhor ator coadjuvante). Quando se despede de Chris/Alex, tendo providenciado para que o jovem penetre no Alasca, a cena é simplesmente antológica.

Um filme para se tirar o chapéu e reconhecer que os americanos ainda fazem grande Cinema, em seus melhores momentos.

......................

Os dois filmes fazem-nos pensar que há na certa um desejo de voltar a acreditar em coisas assim - sonhos generosos, movimentos coletivos, grandes enfrentamentos com a hipocrisia de uma sociedade que se corrompeu e enlouqueceu por completo. Os filmes mostram que isso já foi feito por certos personagens aventureiros e loucos, de algum modo, e que os tempos já foram melhores (nada é tão enganoso quanto isso, mas também nada seduz tanto). Fornece modelos, mas sem tanta convicção.

Porque, ao mesmo tempo que exaltante, o desejo desse tipo de romantismo é margeado por uma espécie de suspiro de impotência, e no filme de Penn ao menos não há complacência: a Natureza que Chris/Alex busca é romântica demais - ele, como muitos eco-freaks, simplesmente não enxerga o lado madrasta e implacável que a suposta generosa Grande Mãe tem. E pagará por isso.

Quanto ao filme de Taymor, o ideal de "paz & amor" está incrustado como um dado estético na música dos Beatles, e pode ser revivido como apelo permanente de algo que tem pacto com desejo e sonho, como a beleza musical (aliás, toda beleza artística) que nos consola e redime, mas não tem o poder de nos afastar do mundo real de jeito nenhum.

Ainda assim, querer ser "maior do que a vida" é de fundamental importância, para que não sucumbamos a uma mediocridade inapelável, a mediocridade dos pais de Chris/Alex, revestida de "pathos" magnífico quando o pai William Hurt vai para a rua e se ajoelha no asfalto e chora pela perda do filho que não é localizado em parte alguma e que nunca mais voltará. There´s no way back.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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