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O mau leitor

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 30/08/2007.

Em se tratando de amor à arte a melhor coisa é ser capaz de transcender, de ignorar completamente, por trás da obra, o seu autor. O que hoje em dia, com a bisbilhotice estraçalhadora da mídia, acaba sendo impossível. A gente pode, e quer saber: tudo e mais um pouco sobre esta figura mágica, imponente, infalível e afortunada, que é no fundo no fundo, igualzinha a nós, sim. Atire a primeira pedra o escritor estreante que nunca sonhou ter a sorte de uma J. K. Rowling. Penso nisso com freqüência. Pensei nisso quando uma leitora, ao se deparar com a minha foto decepcionante na orelha do Hierosgamos, deixou esvair-se o charme, o encanto, a paixão erótica delirante que o livro tinha provocado nela (gulp): "Nossa. Imaginei que ela fosse diferente." Subtexto: como é que pode tanto fogo, tanto ardor, tanto lirismo, vir de dentro desta mulher mediana, tão normal, meio acabada, baixinha, de braço gordo e rosto manchado pela idade? Não há foto de estúdio que dê jeito nisso, e é por isso que eu gosto de me abrir online, entregar de uma vez o ouro (ou a falta dele).

Penso nisso com freqüência, ou melhor, procuro um jeito eficaz de me livrar disso, dessa maldição de ver a todo instante o autor do livro dando uma entrevista na Flip, ou no saguão do hotel onde um dia o surpreendi, ou sentado de roupão em casa em frente ao computador, escrevendo as mal traçadas linhas de olho na opinião do leitor. Sim, penso nisso a cada instante que passo lendo as 600 páginas destas memórias de Amós Oz De Amor e de Trevas —, e tendo chegado à página 42, onde ele descreve em tintas carregadas o mau leitor, me pergunto: como é que acabei, caramba, sendo uma leitora tão ruim? Verdade, gente. Me vi refletida ali com uma fidelidade mórbida de holografia. Sou mesmo péssima leitora, e como o Amós muito bem descreve, "me mantenho sempre de pé atrás, tratando com uma animosidade puritano-justiceira hipócrita a obra, a condução da narrativa, o exagero, os jogos de palavras, o duplo sentido, a música e a musa das palavras... prometidas nas primeiras páginas da imprensa marrom."

Aqui no Brasil, infelizmente, ainda é preciso acrescentar a má qualidade da tradução, os erros de revisão, a padronização imbecilizante da crítica perpetuadora de mitos que não, não chega a ser imprensa marrom, imaginem se o escritor está com essa bola toda. Mas hipócrita não, não sou. Quem sabe pelo menos nisso me salvo da condenação radical imposta por Oz, que como escritora, não endosso de jeito nenhum. Se em algum momento quando escrevo penso no leitor, é com todo o respeito, atenção, carinho, vontade de compartilhar. Embora às vezes meu texto incomode não tenho, de jeito nenhum, a intenção de ofender. Escrevo o que preciso escrever, e isso é tudo... ditado, sem interferência nenhuma, por uma voz interior que desconhece, ou simplesmente ignora, o gosto e a expectativa de quem um dia me lerá. Paciência. Mas é por respeito puro, por puro amor — se não ao leitor, pelo menos à língua portuguesa — que o texto intuído num primeiro rascunho é seguido de horas, meses, anos de revisões, edições, cortes impiedosos, sim: guardadas as proporções, até mesmo aqui no blog. Quem lê um texto logo ao ser publicado, e volta a ele mais tarde, pode quase sempre perceber a mudança.

Não quer dizer que Oz não seja um bom contador de histórias. Ele é. E no meu caso existe ainda um deleite extra, que me motiva a seguir pelo livro afora: é minha história que ele conta, são casos de um país que conheço bem, manias que lá em casa eram comuns, palavras em hebraico que escutei desde que nasci, um jeito judaico de ver a vida que conheço muito bem. Me sinto em casa com ele, e estar em casa é sempre bom... embora, às vezes, banal.

Alan me explica que existem três tipos de má literatura:

- o texto é ruim e a história é ruim
- o texto é bom, mas a história ruim
- a história é boa mas o texto incomoda

Em todos os três o livro não passa de um caminho esburacado, cheio de pedras. Com algum esforço e muita vontade, a gente até chega a algum lugar, mas não consegue se deixar levar, mergulhar, transcender o sofá, a dor no pescoço, a câimbra* na perna, a súbita vontade de comer, de tomar um vinho, de ver tevê, aiai. Quando foi mesmo que me transformei numa leitora tão mesquinha? A culpa não é minha, gente, mas me sinto tão culpada... Mudou a literatura, ou mudei eu?

* agora vem cá: é "câimbra" ou "cãimbra"? o Aurélio diz que é câimbra, mas eu sempre soube que era cãimbra: em ambos os casos, um formigamento chato, impossível de ignorar.

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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