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Um homem que procura para pagar

por Ignácio de Loyola Brandão *
publicado em 26/08/2007.

Há um mistério que não entendo. Bem, mistérios existem para não serem entendidos. Algumas livrarias são bem-sucedidas, crescem, se modernizam. Quando há uma bienal, uma feira de livros, uma festa literária, os auditórios enchem, as pessoas correm para ouvir os escritores. Aí está a Flip com ingressos pagos e esgotados no primeiro
dia, aí está a Jornada de Passo Fundo que coloca 5 mil espectadores na platéia, todos de boa formação, aí estão as feiras que se multiplicam pelo País com auditórios lotados. Sexta-feira passada, na acolhedora 3ª Feira de Livros de São Joaquim da Barra havia 600 pessoas no auditório, muitas delas em pé. Editores, mídia e livreiros dizem que o mercado está em crise, livros não vendem. Porém, grupos estrangeiros, como a Planeta, a Alfaguara, a Santillana desembarcam no Brasil e compram editoras inteiras ou participações. Por quê? Gostam de rasgar dinheiro? Não sei responder. A única coisa que imagino é: será que o povo prefere ouvir os escritores, em lugar de ler?

Ana Maria Khalil tinha apenas 14 anos quando estive pela primeira em São Joaquim da Barra falando na Feam. Não me esqueço daquela noite, eram centenas de adolescentes na platéia e ao entrar me senti popstar, eles aplaudiam, gritavam, pensei: devem querer que eu cante, mas vou apenas falar de literatura. Como dominar um grupo dessa idade? Apavorado, comecei e me acalmei, o silêncio foi absoluto, exceção feita a alguns trechos mais bem-humorados, quando eles riam e voltavam
a gritar. Porque aprendi uma coisa importante nessas décadas todas, falando ao lado de Lygia Fagundes Telles, João Antônio, Antônio Torres, Affonso Romano de Sant´Anna, Marina Colasanti, Alcione Araújo, Ziraldo, Otto Lara Resende, Rubem Fonseca (ainda peguei a fase em que ele nos acompanhava pelo País), Fernando Sabino e outros. Sim, literatura é assunto sério, mas se você ali na frente for acadêmico, pernóstico, erudito, distante, inacessível, dono da verdade, falando naquele tom enfadado de quem dá uma aula para se livrar da incumbência, o recado não passa, a platéia boceja ou vai embora, passa a achar livros um horror.

Reencontrei Ana Maria em São Joaquim na noite de sexta-feira passada, quando abri a Feira de Livros da cidade. Ainda interessada em livros e escritores. Agora, casada com Rodrigo, mãe de três filhos, exibe a mesma aparência juvenil, fresca, os olhos luminosos. Inacreditável, o tempo me pareceu paralisado e 20 anos se passaram. A Feira de Livros, a terceira promovida pela prefeita Maria Helena Borges Vannuchi (o sogro dela, Ivo, foi um professor ícone na região), é um projeto/sonho que vem crescendo. Como espaço é relativamente pequena, mas o auditório, em praça pública, confortável, abriga, já disse, até 600 pessoas e estava superlotado. Há quem fique de pé, outros preferem os bancos do jardim em torno, ouvem de longe, a feira envolve tudo e todos. Quando vi o bando de colegiais, pensei de novo: como será agora? Correu serenamente, a meninada bem preparada pelas professoras que mandaram ler textos dos autores visitantes e vão dar notas para redações sobre a Feira e o que observaram, captaram.

Ou seja, a Feira começou antes, continuará depois. Fomos lidos, ouvidos, seremos interpretados. Este é o verdadeiro trabalho, preparar cabeças, criar possíveis leitores. Boas professoras são essenciais. O modelo foi inspirado na tradicional Jornada de Literatura de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, um dos eventos mais bem organizados e de maior sucesso no Brasil. Lembrei-me da Jornada porque ela se abre daqui a duas semanas, quando completa 26 anos, sempre se expandindo. Trabalho assombroso. Dentro da Jornada cabem quatro Flips. A preparação se inicia meses antes e quando os inscritos, mais de 5 mil, chegam, estão afiados para ouvir e perguntar. Pena que dentro do próprio Rio Grande do Sul a Jornada não tenha encontrado apoio do governo. Será que Yeda Crusius (atenção, governadora, a senhora é pessoa estudada, sensível, olhe o que estão fazendo nos bastidores) sabe que o Conselho Estadual de Cultura, baseado no relatório de um amanuense burocrata, um certo Luis Paulo Faccioli (o que é, o que fez pela literatura, qual a sua contribuição?), recusou todo e qualquer auxílio financeiro (nem um centavo) a um evento esmagador, que é o
maior das Américas no seu gênero? Curioso, gaúcho contra gaúcho.

Faccioli será maragato ou ximango?

Tristezas de um lado com a incompreensão de uns, alegria do outro. A prefeitura de São Joaquim, 55 mil habitantes, montou sua feira em grande estilo, levando, com dinheiro do município, vejam só, escritores da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado e Moacyr Scliar, um poeta e ensaísta do porte de Affonso Romano de
Sant´Anna (amanhã), outro que fascina a platéia quando fala, Frei Betto (hoje estará ali abordando literatura e espiritualidade), um professor como o Pasquale Cipro Neto, que mudou a maneira de ensinar a língua portuguesa. E ainda há a Sinfônica de Ribeirão Preto, cinema na praça, teatro, bandas, shows, noites de autógrafos. Estava passeando
pela cidade, porque a sossegada São Joaquim (aqui ao meu lado a história da cidade, escrita pelo Lúcio Falleiros), com suas lojas, seus barbeiros, engraxates, pouquíssimos prédios (que alívio), me lembra a Araraquara de onde parti. Não resisti, diante da Feira há uma casa da pamonha, arrisquei e saí feliz, era fresca, saborosa, parecia de fazenda, creme de milho puro, coisa que só existe no interior. Fiquei ali, pensando que se cada cidade brasileira de porte médio realizasse sua feira, o ambiente cultural mudaria. Nelas se vê que livro está ligado a prazer, fantasia, conhecimento, e que organizando um acontecimento, o povo responde. Todavia, São Joaquim foi uma
surpresa atrás da outra. Atravessava a praça, tive um encontro assombroso. Dei com José Renato, assessor de Relações com a Comunidade, e organizador da Feira, seguido pelo Dodô, tesoureiro da prefeitura. Estavam à minha procura pela cidade há meia hora. Para me pagar! Acreditem! Num país em que todo mundo cancela, adia, promete, não atende telefone, dá cheque para 60 dias, tem gente que nos procura para pagar! Há esperança!

Coluna de Ignácio de Loyola Brandão 17.08.2007 - O Estado de São Paulo

Sobre o Autor

Ignácio de Loyola Brandão: Ignácio de Loyola Brandão é jornalista e escritor contemporâneo mais do que conhecido/reconhecido e signo de uma geração que viu a sociedade brasileira se reconstruir e se renovar em pensamento a partir de obras como Zero, Não verás país nenhum, O verde violentou o muro, O presente é o futuro (Manifesto Verde), O beijo não vem da boca entre outros. Laureado, recebeu o prêmio IILA de melhor livro latino-americano pelo Instituto Ítalo-latino-americano, de Roma, com Não verás país nenhum, em 1984. Recentemente, em 2000, recebeu o prêmio Jabuti por O homem que odiava a Segunda-feira. Paulista de Araraquara, já compôs publicou romances, contos, crônicas e infanto-juvenis traduzidos para muitos países no mundo. Atualmente escreve suas crônicas no Caderno 2 de O Estado de São Paulo e é responsável pela edição da Revista Vogue.

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