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CAGIANO: contra o mercado editorial perverso, o ânimo de correr riscos

por Chico Lopes *
publicado em 07/09/2006.

Conheci Ronaldo Cagiano no ano 2000, quando foi lançado, pelo Instituto Moreira Salles/SP, em Poços de Caldas, o meu livro de contos "Nó de sombras". É de Cagiano o primeiro texto crítico de relevância que o livro recebeu, "Geografia da alma humana", publicado em Brasília, Goiânia e outras partes.

Em retrospecto, me parece muito lógica e natural essa nossa aproximação. Já que Ronaldo Cagiano me pareceu a ponta (creio que ele recusaria o termo "liderança") de um novo Brasil literário, e, ao conhecê-lo, foram chegando-me livros de muitos lugares os mais distantes, cidades, estados que em geral não associamos à atividade literária, e eram de pessoas que conheciam Cagiano e que por ele souberam de minha existência, que tinham tido orelhas de livros por ele escritas, que com ele trocavam idéias. Cagiano, em resumo, não parecia ser ele só: parecia encarnar todo um Brasil desconhecido, novo, que chegava à literatura, por vezes através de edições sofridas, desiguais, mas com uma enorme vontade, eu diria até avidez, de Literatura. Portanto, ao falar de trigo e joio, ele com certeza sabe do que está falando. Esse Brasil de muitos livros e autores novos é sobretudo uma pergunta: quem sobreviverá? essa quantidade toda, marcada por altos e baixos evidentes, oscilando entre o surpreendente, o desnecessário, o fútil, o meramente ególatra e vaidoso e o verdadeiramente talentoso, que será feito dela?

Hoje, Cagiano tem seu lugar como organizador de antologias de contos em Brasília, onde reside, e segue exercendo o seu papel. E escrevendo seus livros. Mineiro de Cataguases, encontrou em Brasília, com seu fervilhar de brasileiros de toda parte e suas misturas insólitas, o lugar que parece lhe caber naturalmente como escritor inquieto e divulgador de uma literatura de inquietos e inconformados como ele. Cagiano, como se poderá perceber na entrevista que me concedeu, funde as "dores do mundo" com suas dores pessoais de Cataguases e prega uma literatura decidida a não calar diante das ruínas.

Ele anuncia a publicação de novos livros e não deixa o gume da lucidez enferrujar, como se pode verificar. Há muito tempo, devido a contingências umas e outras, não nos conversamos por telefone e trocamos e-mails, como no início. Mas sei que ele continua em pé.

Há nesse homem que se move para muitas direções, descrito por todos os amigos como muito amável e extremamente generoso, uma angústia e uma vontade tenaz de não sucumbir. A prova aí está.

CHICO LOPES: Há um poeta e um prosador em Ronaldo Cagiano. Quem veio primeiro, quem prevaleceu? Ou os dois seguem juntos, alternando-se e alimentando-se reciprocamente?

RONALDO CAGIANO - Cronologicamente, o poeta veio primeiro. Tanto na produção, quanto na publicação. Meus primeiros livros foram de poesia. No entanto, sempre notei uma certa tendência prosaica em minha expressão poética. Mais que isso, a necessidade vital de extrapolar a camisa de força da estrutura poética, pois seu espírito de contenção não me permitia deambular. Aliás, muitos dos meus leitores me advertiram desde cedo que eu deveria me catapultar para a prosa. A partir do final dos anos 80 para cá, mergulhei no universo ficcional, embora só tenha reunido meus primeiros trabalhos em 2001, quando "Dezembro indigesto" venceu o Concurso "Bolsa Brasília de Produção Literária", da Secretaria de Cultura do DF. E mesmo na minha narrativa assimilei aquela visão baudelaireana, segundo a qual devemos ser poetas, mesmo em prosa. Sinto que há uma simbiose, um sistema de vasos comunicantes, uma vertente se retroalimentando da outra.

CHICO LOPES: Para onde foi a poesia brasileira, nos últimos anos? As novas gerações trazem nomes que o interessam?

RONALDO CAGIANO - Creio que vivemos um impasse, porque após o Modernismo de 22, depois a tentativa da Geração de 45 de uma retomada da tradição e posteriormente, o movimento oposto instaurado pelas vanguardas (o concretismo, a poesia praxis, o neoconcretismo e outras rupturas), parece que perdemos os referenciais. Há uma tentativa de se fazer algo novo, mas que esbarra no requentamento das velhas escolas. A pretexto de inovar ou renovar, a maioria dos autores não conseguiu fazer essa transição, nem comunicar uma nova realidade estética; outros, mais performáticos, vacilam entre as seduções do mercado e da mídia; e alguns mais apenas caminham pelo terreno vago das diluições e a poesia parece patinar, tentando sair do obscurantismo ou da obviedade e não encontra ressonância. Há um centro de gravidade na poesia hoje: o egocentrismo.

CHICO LOPES: De onde vêm os contos de seus livros, como "Dezembro indigesto" e "Concerto para arranha-céus", por vezes tão desesperados, tão urbanos e cruéis? Sendo você um homem do interior mineiro, de Cataguases, surpreende o seu gume metropolitano...

RONALDO CAGIANO - São histórias que trazem um componente ancestral, carregadas de vivências, de autobiografia, de referenciais no passado. Entre a invenção e a memória, vou mapeando nossos fantasmas, nossas obsessões, nossas perturbações e angústias existenciais. Nesses contos, tanto o homem do interior como o da metrópole carrega as dores e delícias de sua relação com o mundo, as pessoas, as instituições, e isso pode ser observado no maior ou menor grau de claustrofobia, ansiedade, asfixia ou desespero, porque a incomunicabilidade, o desassossego, o deslugar no mundo, o exílio dentro de seu próprio ambiente, são um fenômeno da modernidade, do mundo globalizado, fetichista em que vivemos, que oscila entre o ser e o ter e que deflagra no íntimo um embate cruel, colocando o indivíduo em permanente confronto com suas ambigüidades. Então, um homem de Poços de Caldas terá as mesmas dores, delícias, dores, questionamentos e contradições de um cidadão de Praga, de Cataguases, de São Paulo ou Nova Iorque.

CHICO LOPES: Nesse sentido, que significa Brasília em sua vida? Num belo conto de "Dezembro indigesto", um passageiro de ônibus da capital era, anonimamente, Antonin Artaud. Por que ele? Que o atrairia no criador do Teatro da Crueldade?

RONALDO CAGIANO - Em alguns contos eu procuro fazer um diálogo com outros autores, outros tempos e lugares. Nesta história, particularmente, reproduzo a atmosfera de individualismo e egoísmo que permeiam a convivência social quotidiana, sobretudo nos grandes centros. Mas, percebe-se que a vida, em qualquer lugar, está premida pelo utilitarismo nas relações hodiernas. O império do interesse (fruto da sociedade da produção, do consumo e da competição) tirou do indivíduo sua percepção da dimensão onírica das coisas, gerou a necessidade de isolamento e autocentrismo, e esse instinto de sobrevivência (social, econômica, cultural e intelectual) faz com que cada pessoa, para mostrar o melhor do seu produto, revele o pior de si. Isso acaba por transformá-la numa incógnita e ela passa a viver a sua insularidade, indiferente ao que passa no seu entorno, principalmente insensível ao clamor do seu próximo. A crueldade da vida moderna é visível nos pequenos gestos ou no silêncio dos que recusam o diálogo. É sobre isso que a maior parte dos meus contos fala.

CHICO LOPES: Quem são os autores - além de Kafka, amplamente homenageado em seus livros - que mais o influenciaram, se é que reconhece influências diretas?

RONALDO CAGIANO - Desde cedo minha relação com a leitura é intensa e sou um acúmulo de influências. Há uma legião de autores que muito me aproximaram de seu mundo, tanto pelo que me trouxeram de lirismo ou de acicate: Kafka, Faulkner, Clarice Lispector, Camus, Dostoievski, Thomas Mann, Machado, Graciliano, Rosa, Fusco, Yourcernar, Pessoa, Bandeira, Drummond etc etc etc). Há também as influências das "leituras" e "olhares" do meio em que vivi, um laboratório inesgotável de tipos, situações, atmosferas, como a barbearia de meu pai ( local que considero meu primeiro e nostálgico livro de histórias, pois ali a ficção e a realidade povoaram meus dias), a política acanalhada de Cataguases (matéria e circunstância para outras histórias crítico-picarescas). Enfim, acho que, mais ou menos como disse Walt Whitman, "eu sou imenso, há multidões dentro de mim", e elas foram me habitando nos mergulhos em livros, cinemas, teatro e convivências ao longo da vida.

CHICO LOPES: No Brasil literário do momento, aponte os prosadores que lhe tocam mais de perto...O país literário não ficou fragmentado e heterogêneo demais? É possível divisar tendências, apontar direções nesse caos todo de "bloggers", livros de pequenas edições, livros pouco lidos e promessas que ficam restritas a grupelhos etc?

RONALDO CAGIANO - Creio que há uma profusão de autores e livros, seja de prosa ou de poesia. Vivemos hoje um "boom" editorial, principalmente em ficção. De um lado, facilitado pela modernidade do processo editorial, pelo fluxo hemorrágico de produções em blogs, internet etc. Claro, há o joio e o trigo e só o tempo dirá o que vai resistir; tanto por conta da crítica conscienciosa, quanto pela triagem dos leitores. O sistema editorial é perverso, com sua lógica calcada no mercantilismo, que muitas vezes bafeja obras de duvidoso mérito estético, em detrimento da verdadeira arte literária, que muitas vezes hiberna nas gavetas ou nos arquivos dos computadores. Mas, apesar da enxurrada de obras que todos os dias chegam às prateleiras, muitas coroadas oportunisticamente pela mídia e homologadas pelo compadrio de resenhistas que não passam de verdadeiros comunicólogos de carteirinha, que não são críticos, é possível garimpar nesse imenso aluvião algo precioso. Há bolsões de resistência e isso já começa a ficar claro. Não se pode dizer que hoje haja um movimento literário orgânico, com tendências e propostas, com manifestos ou estruturação, como fizeram os modernistas, os concretistas etc. Há sinais de agregação muito positivas, como a Geração 90, que revelou alguns bons prosadores, mas também há autores que vêm se despontando, isoladamente, com um trabalho do mais alto nível, na prosa ou na poesia, fora do grande mercado estruturado, como é o caso de Ronaldo Correia de Brito e Micheliny Verunschk, em Recife; Miguel Sanches Neto, em Ponta Grossa; Iacyr Anderson de Freitas, em Juiz de Fora; Salomão Sousa, Rosângela Vieira Rocha, Ana Maria Ramiro e Ronaldo Costa Fernandes, em Brasília; Pedro Salgueiro, Tércia Montenegro e Nilto Maciel, em Fortaleza; Lima Trindade, José Inácio Vieira de Melo e Carlos Barbosa, em Salvador; Astier Basílio e Linaldo Guedes, em João Pessoa; e tantos outros cujo trabalho vem sendo bem recepcionado pela crítica, apesar dos gargalos da distribuição.

CHICO LOPES: Quais são seus próximos títulos, se quer divulgá-los? O contista prevalecerá? O romance ou outros gêneros não o interessam?

RONALDO CAGIANO - Está saindo em novembro, pela editora Língua Geral, do José Eduardo Agualusa, uma reunião de alguns contos dos dois livros anteriores, que andei remexendo e será publicado com o título de "Dicionário de pequenas solidões". Mas, em andamento, tenho o romance "Os herdeiros de Kafka", uma história totalmente ambientada em Brasília; e alguns contos que comporão um novo livro, "O sol nas feridas", projetos para mais adiante. Acabo de publicar, pela LGE Editora, "Todas as gerações - o conto brasiliense contemporâneo", com 102 autores, dando continuidade ao mapeamento realizado em 2004 com a "Antologia do conto brasiliense".

CHICO LOPES: Diga qual é a motivação mais profunda para escrever, no seu caso. Os demônios que vivemos a exorcizar são de fato sanáveis pela criação do texto ou persistirão sempre, condenando-nos à impotência? Para muita gente, os escritores constituem uma tribo claramente depressiva. A literatura, ao contrário disso, não poderia ser exaltante e ajudar a viver? Dê a sua opinião...

RONALDO CAGIANO - Escrevo pela extrema necessidade pulmonar de me comunicar. Escrevo por devoção. E também para vencer o tédio e vingar-me de minhas obsessões, meus fantasmas, meus demônios e tudo aquilo que me incomoda e faz mal ao mundo. O texto me permite esse trânsito catártico. E por ele vou tentando compreender a realidade que nos cerca, pois a inquietação é que nos provoca a permanente reflexão e o indispensável questionamento existencial. Esse correr riscos é que me anima.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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