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RESENHAS
TAL VEZ TALVEZ
Dílson Lages Monteiro*
No campo da poesia, pode-se aplicar uma máxima que é inversamente proporcional a um piedoso ditado popular: “de boas intenções o inferno está cheio!”. Na poesia, ao contrário da regra religiosa, a intenção faz a diferença, ou seja, o resultado é uma projeção de uma boa intenção que tal vez não leve ao ápice, ao céu da poesia, mas que se incorpora à tradição de toda poesia, da poesia no sentido mais amplo, mais lato possível. Estas linhas iniciais são apenas divagações sobre o que penso particularmente de poesia.
E, antes de julgarmos, pré-julgarmos um fenômeno cuja gênese não conhecemos de todo, faz-se mister tentar entender os jogos, as articulações, as proposições de um material que surge, que se forma a partir de uma espécie de “fiat lux” momentâneo, com pretensões de cristalização em uma forma mais ampla e assumindo sem nenhum escândalo, mas com um certo ti ti ti, o lugar devido. Assim é a poesia, a forma ampla, lata, dos formatos individuais, das células-poemas que a compõe.
A poesia está para a peça individual do poema, assim como o poema está para a forma da poesia. Quando surge um novo poema, toda a poesia, em sentido amplo, lato, genérico se reorganiza para re-acomodar a novíssima forma. A forma da poesia é a imagem do ser incompleto, da qual o poema é a força dinâmica que aponta para a sua potencialidade e para a sua possibilidade atual. Sua “forma” está em sempre adquirir uma outra “forma” graças à “forma” específica do poema. O poema é, portanto, o recorte específico da “forma” da poesia. O poema é aspecto concreto, substrato, e irreversível de uma “forma” que nunca se “forma” plenamente porque sua ambição, sua expressão está em uma “forma” que se revela sempre no futuro.
Voltemos ao raciocínio original: na poesia o que vale é a intenção. Intenção enquanto ação mais tensão: poesia. O resultado específico dessa equação: poema. O poema é o resultado de uma forma não definida. Portanto, a poesia enquanto intenção tem existência, mas não existe concretamente. Seu existir depende de uma coisa que sempre irá existir, ou seja, a confecção individual do poema. O ser da poesia está no existir do poema. Temos a explicação desse fenômeno em uma brincadeira infantil que mais parece uma parábola poética.
Todos devem lembrar da brincadeira infantil que apresenta a seguinte música: “vamos passear na praia enquanto Seu Lobo não vem”. A poesia é este ato de passear na praia que, na linguagem da criança, só serve como não momento, não tensão, não existência. Somente quando se grita “está pronto, Seu Lobo?” é que se passa concretamente a existir na brincadeira. É neste momento que a existência se encontra consigo mesma na existência do outro. Assim, quando ocorre a pergunta luminosa que o poeta faz para sua própria existência é que se tem a poesia propriamente dita: “está pronto seu poema?”. A partir daí, a poesia passa a ter existência na existência do poema.
Mas o que estas divagações tem em comum com a poesia de Dilson Lages? Ora, os poemas de “O Sabor dos Sentidos” estão carregadas destas marcas de intencionalidades, cuja fonte reside nas imagens sinestésicas que o poeta emprega com muita originalidade e que apontam para um dos principais artifícios da poesia, a metáfora. A poesia de Dilson Lages, melhor os poemas, estão prenhes destes recursos.
Esta inclinação pessoana é retomada nos versos do poema “A Nudez da Madrugada”. Nos dois primeiros versos imagens antitéticas se complementam em uma proposição verdadeira no campo da imaginação. A seguir a temporalidade noite –“do homem que vaga na noite”-, que inicia o poema, passa paradoxalmente, para dia – “a madrugada se molha de chuva”, apontando novamente para a junção de antinomais. Este exercício de “coincidentia opositorum” culmina com a solução existencial das possibilidades de miríades de seres estarem contidas em apenas um ser.
Neste poema, o último terceto propõe uma permuta de sensações entre seres ou coisas que se transforma em seguida em jogo metafórico: “A madrugada se molha de chuva/e o devaneio despe os passos/ do homem que sendo muitos é ninguém”. Temos uma troca de sensações que paulatinamente se transforma em mudança de sentidos ou de existencialidade. No caso dos versos aludidos, o resultado é uma espécie de máxima pessoana expressa na dicotomia “muitos/ninguém”.
A poesia de Dílson Lages, portanto, tenta recuperar através do sentidos “O sabor das imagens” (sic), propondo novas associações de imagens e aumentando, ampliando o horizonte de possibilidades metafóricas, ou seja, Lages cria novas metáforas buscando ilações inusitadas e auscultando os diversos sons provenientes destes seres peculiares que integram a personalidade humana de cada um de nós. De novo, recuperamos, como no jogo infantil, a tensão, a espera, a surpresa proveniente do momento em que a existência se faz presente: “está pronto, Seu Lobo” eqüivale, neste sentido, à passagem da poesia para o poema. Ou: se se entende com palavras o que se imagina: Tal vez, talvez.
(resenha de Ricardo Araújo, que é poeta, professor de Teoria Literária da Universidade de Brasília e pós-doutorando na PUC-SP, ensaísta, autor de Poesia visual, vídeo poesia, pela editora Perspectiva)
Sobre o Autor
Dílson Lages Monteiro: professor, poeta e membro da Academia de Letras do Vale do Longá. Autor dos livros de poesia +HUM-Poemas, Colméia de Concreto, Os Olhos de Silêncio e O Sabor dos Sentidos, Além do ensaio A metáfora em textos argumentativos( 3a. edição a sair) e Cabeceiras- a marcha das mudanças. Contato: dilsonlages@uol.com.br
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