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Elas são más

Sandra Sarue*

Hilda derrama água fervendo no pai de seus filhos. Julia destrói cada objeto do apartamento do namorado. Taís decepa o pênis do marido. Anos mais tarde, Letícia tem em seus braços aquele garoto que conheceu no colégio. O que ela faz com ele? Mata-o a facadas. Estas são algumas das histórias vividas pelas personagens do livro "Mulheres Más", de Sandra Saruê, em que cada um dos 13 contos revela uma faceta de um universo bem feminino.

Observadora atenta e sensível, a escritora diz que suas personagens são todas retiradas da realidade. "São como toda mulher. Elas têm seus momentos de força e fragilidade", observa Sandra. "A maioria das mulheres não é impulsiva. Ela pensa, reflete, acumula sentimento antes de explodir", diz ela. Isso acontece com suas personagens e com muitas mulheres de carne e osso.

Pensando na força e na fragilidade de todos nós, a contista compôs as mulheres de suas histórias. Por isso, não é à toa que identificamos nelas, alguém da família, uma vizinha, uma colega, ou até nós mesmas. Como aponta o escritor Fernando Bonassi no prefácio deste livro, essas mulheres "são más, é certo, mas são gente como a gente".

A faxineira de uma produtora em que Sandra trabalhou serviu de inspiração para o conto "Hilda", por exemplo. "Ela contava que o marido levava as amantes para dentro de casa e até obrigava a servi-las. Dizia que toda vez que colocava a água no fogo só pensava em uma coisa: derramar todo aquele líquido sobre o sujeito. Mas recuava. Pensava nos cinco filhos e que iria acabar parando na cadeia. No conto eu me permiti a concretizar aquela idéia", diz a escritora.

"Então começou a quebrar o apartamento dele. Primeiro foi o copo e a parede de espelhos. Depois, carregando uma das cadeiras da sala de jantar, correu feito louca pelo corredor em direção ao quarto dele. Estourou a tela do televisor Mitsubishi (...)". Assim começa a destruição do apartamento daquele homem ausente, narrada no conto "Julia".

Ao contrário da mulher em que Hilda foi inspirada, a Julia da vida real não deixou seus planos de vingança só na mente. "A Julia é baseada numa amiga que conheci na faculdade. Ela era do interior e depois que veio para cá conheceu um cara. Apaixonou-se. Começaram um romance, mas ele sumia sem dar notícia. Um dia ela marretou todo o carro dele", recorda Sandra.

A personagem Taís, uma das mais ousadas, decepa o pênis do marido. Ficção? Pelo que consta, nenhuma colega de Sandra chegou a tanto, mas a história não foi inventada. "Eu li tudo sobre o caso de Lorena Bobbits". A equatoriana Lorena Bobbit ficou famosa em 1994. Alegando que era constantemente agredida pelo marido, o ex-fuzileiro naval norte-americano John Wayne Bobbit, ela cortou-lhe o pênis depois de uma discussão e de ter pedido a separação. Lorena, foi considerada inocente, 'por perda da razão', pela Justiça dos Estados Unidos. Wayne teve o pênis reimplantado e se tornou ator de filmes pornográficos.

Letícia, do conto homônimo, que mata o garoto bonitinho dos tempos de escola, também foi retirada das páginas policiais. Sandra diz que se inspirou em Suzane Louise Richthofen, que é acusada de assassinar os próprios pais."É uma moça que mistura drogas e que aparentemente não teria motivos para cometer um crime daqueles", comenta Sandra.

E para quem pensou que é nesta atitude desesperada que está a força que Sandra identifica nessas mulheres, ela diz o contrário. "É justamente ao cometer estes crimes que elas se tornam fracas. A verdadeira Hilda foi mais forte. Um dia largou aquele marido e foi cuidar da própria vida", avalia a escritora.

Mas a violência não predomina nos contos de Sandra. Assim, o conto que leva o nome do livro ("Mulheres Más"), por exemplo, relata a ocasião em que três amigas decidem sair só para conversar, sem dar a mínima para o assédio dos homens. "Veja que ousadia. Os homens não aceitam que elas estejam naquele bar divertindo-se sem eles", diz Sandra. O crime que estas mulheres más cometeram naquela noite foi apenas serem livres. Esta aí a grande ironia. A autora, por sua vez, identifica-se com estas personagens. "Sou uma mistura das três", define-se.

Há também o inquietante reencontro de Raquel com o amor de sua vida. Ele casado com outra, pai de um filho que não era dela, no conto "O Encontro". A conversa entre uma jornalista e uma presidiária, em "Almíscar", entre outros encontros e desencontros capazes de marcar a vida de uma mulher e de seus homens.

Ao redor dessas tramas está sempre presente a capital paulista. Os espaços têm endereço, como se pudéssemos de fato encontrar qualquer uma das personagens num cruzamento qualquer da cidade. São personagens urbanas, inseridas numa sociedade marcada pelo consumo. Desta forma, a cor do cabelo tem marca, os objetos descritos têm marca, mas estas mulheres de alguma forma mostram que por trás de toda essa impessoalidade há uma vida muito particular, uma feminilidade singular em cada uma...

Os contos parecem mesmo textos dramáticos ou roteiros prontos para serem encenados. Sandra reconhece a importância que o teatro teve para que ela embarcasse na literatura. "Eu sempre adaptava peças para encenarmos. Diziam que eu era melhor escrevendo do que atuando", brinca.

"Mulheres Más" é o primeiro livro publicado de Sandra Saruê. Casada, mãe de dois filhos, publicitária, ela não mede esforços para e já prepara sua próxima investida literária."Este será um romance sobre um homem que vive às margens de uma mulher", esconde o resto da história. "Superstição!", diz Sandra. Aguardaremos. (Por Luciana Araujo - IG MULHER e IG LER)

Sobre o Autor

Sandra Sarue: Sandra Sarue nasceu em São Paulo, capital, às 6h15 do dia 08 de outubro de “1968, O ano que não acabou”, como o título do livro de Zuenir Ventura. Um ano revolucionário, como ela se orgulha em dizer. Publicitária formada e atriz (quase formada), teve que abandonar o curso de teatro da Escola Macunaíma e posteriormente do Indac, incentivada pelos próprios professores que abominavam a sua interpretação como atriz, mas apreciavam muito os textos que criava ou adaptava para as peças encenadas. “Não interprete, apenas escreva!”, diziam os professores. E foi o que ela fez. Começou a escrever, escrever, escrever... e nunca mais parou...

 

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