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O Balandrau

por Airo Zamoner *
publicado em 05/02/2006.

Passos lentos. Pés arrastando sandálias gastas pelo chão de pedra antiga na velha Praça Garibaldi de minha Curitiba inesquecível. Gestos lentos, como todo corpo velho. Um balandrau, exalando bafio de armário abandonado pela mulher amada, cobria o corpo delgado, mas arguto, de Tarcísio. Como arguto era o olhar a contraditar gritantes evidências de cansaço. O cansaço dos guerreiros, como foi o Giuseppe que a praça homenageia. Guerreiro que foi capaz de convocar para uma luta inglória os voluntários que se rebelavam contra as tiranias, os impérios, as ditaduras que se repetem num carrossel de todas as cores e disfarces. Não prometeu paraísos. Prometeu fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte. Advertiu que o sacrifício de suas vidas era apenas para aqueles que amam este país com o coração e não apenas com os lábios.

O velho parou diante da placa que nomeia a praça. Imaginou a que país Garibaldi se referia. Perguntava-se: como podemos ser tão hipócritas, reverenciando quem lutou a luta da liberdade que hoje se camufla nos circunlóquios do discurso sem-vergonha, ecoando numa nação miseravelmente traída, injustamente desonrada?

Parou diante da “Cabeça de Cavalo”. Admirou a escultura em seus detalhes ínfimos no bronze escurecido do escultor Ricardo Tod. “O tempo não existe quando a memória do homem permanece”. Olhou em torno. Viu um povo que caminhava no caos da rosa-dos-ventos. Eles vão e vêm. Vêm e vão. Que lugares os aguardam? Que saudades deixaram? Que pensamentos se aglomeram em tantas cabeças? Que memória permanece, vinda dos pais, dos avós, dos bisavós esquecidos, antepassados que suaram o sangue de suas vidas para construir este país e imaginar que seus netos, seus bisnetos viveriam num mundo melhor? Talvez nenhuma, imaginou Tarcísio desolado.

Ainda diante da arte exposta sem avareza, sem mesquinhez, ficou a imaginar como lutar contra os inimigos das liberdades dentro dos “hojes” que se sucedem. O inimigo não se mostra. Ele se esgueira pelos ares, vestido de ouro e lantejoulas, seduzindo docemente, enganando com sorrisos e promessas tentadoras. Os homens públicos não são mais os idealistas despojados de ambições. São, isto sim, um sórdido produto do “marquetim” intrinsecamente enganador. São fabricados com rigor científico, onde tudo é mensurado, ensaiado nas provetas de alquimistas dos demônios. Depois, numa embalagem irresistívelmente atraente, são oferecidos a um povo ingênuo, abandonado pela cultura, distante da informação, criminosamente sonegado da educação verdadeira que critica, contesta, transforma, faz pensar e conspirar! Um povo comprado facilmente pela pequenez de seus sonhos, livres do sonho maior de uma nação feliz.

E os pensamentos se agitavam dentro de Tarcício. Os inimigos da democracia, da liberdade, da felicidade do povo...

Tarcísio é sacudido pela mão firme do esbelto membro da Guarda Municipal curitibana, todo de azul marinho, educado, bem treinado, quase londrino. Queria saber se o velho estava se sentindo bem. Parecia sonolento, com aquele olhar fixo no bronze puro. O corpo balançava perigosamente.

Tarcísio não respondeu. Flutuou acima da placa “Praça Garibaldi”. Onde estará Giuseppe Garibaldi? Outro guarda se aproximou. Deitaram-no na calçada limpa, esperando ser recolhido rapidamente. Afinal, esta é uma praça turística.
Enquanto isso, o balandrau servia-lhe de mortalha.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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