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Pescador das Belezas do Coração

por Maria Cristina Castilho de Andrade *
publicado em 19/03/2006.

Fui sua professora, quando ele entrou na puberdade. Depois, perdemo-nos de vista. Comumente é assim e, nos reencontros raros com ex-alunos, vem a classe com seus encantos pelas descobertas, pelo carinho, pelas diferenças individuais que exigem respeito.

De família bastante conhecida e comprometida com o Evangelho, questionava-me o seu jeito de pensador, apesar da infância que pouco se distanciara. Era como se tentasse desvendar o que havia por detrás do cotidiano de cada um. Naquele tempo, perguntava-me se a mãe, assistente social, e o pai, médico dedicado também aos excluídos, possibilitavam que o coração dele ultrapassasse o comum para chegar ao surpreendente. Mas há outros jovenzinhos, filhos de corações solidários, que não conseguem sair de si mesmos. Ou, quem sabe, era um pescador, com sua rede na beirada das pessoas, trazendo à superfície o tesouro que cada uma carrega. Desmanchavam-se, na lousa, minhas especulações e julgava ser ele somente um menino quieto e um pouco mais atento aos outros.

Ele cresceu e eu sigo com o acréscimo de marcas em torno dos olhos, leito para os riachos de vida que o Deus Amor me oferece.

Há três semanas, telefonou-me. Explicou quem era, com nome e filiação. Desnecessário. Bastava dizer do pescador de baús do coração.

Está no último ano de faculdade e, há pouco, conquistou o primeiro emprego. Decidiu ofertar, integralmente, o seu primeiro salário à compra de algo que beneficiasse as prostituídas e ex-prostituídas da Pastoral da Mulher. Achei de beleza sem tradução.

Contei às mulheres e elas ficaram emocionadas. Optaram por leite para os filhos e, de imediato, pediram-me que rezássemos juntos por ele e a família, que o incentivou a ser tão grande em tão poucos anos. Escolheu a solidariedade, em lugar da compra do prazer; a compreensão de que todos merecem respeito, ao uso; o leite que sustenta a vida, ao veneno que aniquila; o louvor a Deus em gestos concretos, à indiferença aos acontecimentos bons como ter uma família, poder estudar, o primeiro emprego; a bênção, à maldição.

Constatei que ele não era somente um menino quieto e um pouco mais atento às pessoas, mas sim um pescador das belezas do coração.

Imagino, lá no céu, a alegria do Sr. João Mezzalira, um homem que sempre se dedicou às causas de Deus, ao observar o seu neto Marcos - ainda tão jovem - comprometido em colocar vida nova onde tantos depositam preconceitos e misérias.

Se você deseja ser capaz de atitude de beleza sem tradução, como a do Marcos, detenha-se, com delicadeza, à margem das pessoas e resgate de suas profundidades: cavalos-marinhos, conchas rosadas, estrelas-do-mar, pérolas...

Sobre o Autor

Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.

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