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Musa Máxima do Carnaval Brasileiro Não Foi Assim Tão Feliz

por Chico Lopes *
publicado em 08/02/2006.

Comprei a biografia de Carmen Miranda por Ruy Castro antes de uma viagem ao interior do estado de S.Paulo que fiz nas últimas férias. Pensei que conseguiria dar conta da leitura na viagem e concluí que, infelizmente, lâmpadas de ônibus são muito precárias para leituras noturnas, a menos que a vista do leitor seja das mais resistentes e ele bem jovem. Mas, li o livro na tranqüilidade dos dias que passei na minha cidade natal. Havia tempo de sobra, e o calor era tanto que eu não me atrevia a sair de casa pela tarde, entregue às páginas de Castro, muito absorventes.

O sucesso editorial que Ruy alcançou, pela Cia. das Letras, se deve à fluência de sua prosa, mais para jornalística que para literária, ao seu bom humor, a um estilo leve e de fato grudento - ele oferece trechos picantes de seus biografados, mas mantém reverência em meio a ironias; ama essas pessoas cujas vidas conta e o prazer que tem em escrever sobre elas é plenamente percebido pelo leitor. E, até aqui, li dele "Chega de saudade" (sobre a Bossa Nova), "O anjo pornográfico" (sobre Nelson Rodrigues), "A onda que se ergueu no mar" (ainda sobre a Bossa Nova), "Saudades do século 20" (sobre vários artistas).

Os livros de Ruy me parecem a melhor coisa que um mercado editorial como o brasileiro pode oferecer, em matéria de leveza e entretenimento: biografias ou ensaios biográficos sobre figuras do mundo das artes que, na escrita dele, se transformam em itens de um cardápio cultural muito civilizado. Ruy é um sujeito de fino humor que não tem a pretensão de ser um daqueles intelectuais que desesperam o resto da humanidade pela chatice e pela impenetrabilidade posuda de suas idéias - bem ao contrário, ele quer partilhar suas paixões, ele não tem vergonha nenhuma de assumir aquilo que gosta, de escrever claro e levando em conta o prazer do leitor, tem faro de mercado e nenhum livro seu deixa de cumprir aquilo que promete: prazer por umas boas horas. "Saudades do século 20" é o meu favorito, de certo modo, porque como é que eu não iria gostar de um livro que reúne ensaios biográficos sobre Hitchcock, Billy Wilder, Mae West, Doris Day, Raymond Chandler, Billie Holiday, entre outros? Com humor, com paixão, Ruy destrinchou essas vidas para nós. Ficamos sabendo um pouco mais ou podemos, como nas hagiografias, simplesmente derramar a cera de nossas velas votivas para os ídolos.

ESFUZIANTE E TRÁGICA

Quem já conhece um pouco da vida de Carmen Miranda, como eu, saberá mais; quem nada sabe, ficará bem informado.

Carmen é uma figura artística esquizóide, vamos dizer assim, já que é lembrada como cantora de samba no Brasil e festejada no exterior mais como uma estrela de cinema esfuziante, extravagante, uma comediante exótica, não propriamente uma cantora.

Curioso, esse dilema. Seus filmes não são muito vistos no Brasil porque não encontram público. Seus discos são amados por saudosistas e fãs, mas alguém ouve Carmen no rádio? Com os filmes, creio que o problema não é ela, mas o resto - eram produções americanas muito fracas e, quando revistos, é fácil compreender que Carmen era a única coisa interessante que havia neles - tinha sempre que contracenar com elencos de terceira e loiras americanas chatas; assim que ela entrava em cena, a gente se esquecia do elenco e até do enredo: era de fato brilhante, engraçada, carismática, "engolia" todo mundo. Vi alguns desses filmes e confesso que compreendo quem os rejeita - eu acho terrível Jane Powell, Ann Sothern, Alice Faye e outras estrelas de quarto time tendo papéis mais relevantes que os dela, que eram praticamente pontas em que fazia uma latino-americana indefinida entre cubana, argentina, mexicana e carioca, e só superava a caricatura porque, sem dúvida, era divertida. Na verdade, se lhe dessem falas maiores e mais chances de aparecer, ela dominaria os filmes, subverteria aquilo tudo, mas a gente era obrigado até a suportar Jane Powell cantando uma versão americana terrível de "Carinhoso" numa boate carioca de estúdio de Hollywood com voz de cantora lírica submergindo em overdose de açúcar.

Tenho 54 anos e, quando jovem, Carmen Miranda já era artigo de um velho, velhíssimo passado, mas, ainda assim, eu a achava engraçada, picante, muito por me lembrar de programas de rádio (fui criado ao som da rádio Nacional do Rio de Janeiro) em que marchinhas e sambas de Carmen ainda eram ouvidos, em horários já de programação nostálgica. Amei Caetano e Gil, como quase todo mundo de minha geração, e o Tropicalismo deles, nos anos 60 e 70, recuperou Carmen, o turbante de bananas, o ícone eterno. Ainda assim, era mais comum encontrar os discos da cantora em sebos, e os filmes, quando reprisados na televisão às vezes em sessões da tarde, eram essas frustrações.

O Brasil é cruel e frívolo com seus ídolos de música popular do passado mais remoto - só os cultuam os mais obstinados, os mais devotados a memória e museu, e dizer que o brasileiro se importa com eles é simplesmente um ato de suprema boa-vontade e demagogia. Carmen só é lembrada por aí, entre a "plebe rude", quando é, como uma cara sorridente portando bananas de alguma camiseta, decalque ou capa de caderno, símbolo de Carnaval e alegria.

Mas, alegre na vida particular, ela não foi muito. Carmen, como nos aparece na visão de Ruy Castro, amava homens belos, altos, atléticos, que não queriam muito ir à frente nos namoros com ela. Por quê? Uma resposta pode estar no machismo dos anos 30 e 40, época de seu apogeu. Ela era uma mulher independente, determinada, com um carisma estratosférico, e eles não queriam, com certeza, serem Srs. "Carmen Miranda" - na visão tradicional que predominava (e terá mesmo desaparecido?), um homem precisava de namoradas "alegres", mas, para casar-se, só as mulheres "sérias", que se submetessem ao peso do sobrenome do marido, se enfiassem em casa para cuidar do lar e dos filhos e adeus. Não era de modo algum o que a ambiciosa e dionisíaca Carmen queria, certamente. Não deu certo com namorados cariocas, não deu certo em Hollywood com Aloysio de Oliveira, do "Bando da Lua", que a acompanhava.

Daí, Carmen pode também ter sucumbido a uma lógica machista de sua época - queria se casar, não podia ficar solteira, e, pateticamente, escolheu um marido entre os muitos chatos e fãs que deviam paparicá-la dia e noite. E escolheu pessimamente.
Castro nos revela Dave Sebastian, o seu marido americano, como um sujeito dúbio, oportunista, que nada fez na vida senão usar da fama da mulher. Ela trabalhava além dos limites de qualquer sensatez, e, movida a anfetaminas, barbitúricos, álcool e insônia, teve um ataque cardíaco mais que lógico e infalível, numa certa noite, depois de um show. Uma tragédia parecida à de Judy Garland, que foi destruída pela máquina anfetamínica de produção da Metro, e com a de Marilyn Monroe, acontecida anos mais tarde.

Quando terminei a leitura do livro, estava sob o impacto dessas páginas melancólicas - de repente, a alegria carnavalesca do velho Rio, de um Brasil que a gente gostaria que nunca morresse (talvez porque fosse mesmo um ideal, nunca uma realidade) se transformava numa tragédia do "show-biz" bem típica: a estrela que é estropiada pelos estúdios (e por um marido-empresário) em jornadas loucas de trabalho que nenhum mortal suportaria. E, numa coincidência sombria, a televisão dava a morte da irmã de Carmen, Aurora, na tarde em que fechei a última página.

O livro de Ruy acaba sendo um documento muito importante, mas que ninguém o encare assim : é, antes de tudo, boa leitura, prazerosa, simples e eficiente. Pretensões sociológicas, antropológicas, babados de estética e o resto, ele deixa para outros departamentos.

Aconselho a leitura, para quem gosta de música brasileira, sobretudo. A seguir, convém ouvir alguns dos velhos sambas e marchas de Carmen em CDs que se pode encontrar nas lojas. Mas, quanto aos filmes, é ainda conveniente seguir uma atitude de cautela e condescendência. Se você se tornar fã DELA, eles farão sentido. Se não, vai amaldiçoar o momento em que os pegou em alguma locadora.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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