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O Donjuanismo na poesia de Florbela Espanca:

por Patrícia Pires de Aragão *
publicado em 07/01/2006.

E vos, Tágides minhas, pois criado / Tendes em mi hum novo engenho ardente / Se sempre que em verso humilde celebrado / ... / Dai-me agora hum som alto e sublimado (I) / ... / Agora tu, Calliope, me ensina / Inspira Inmortal canto e voz divina! (III) - Os Lusíadas.

Assim se dirige Camões às ninfas inspiradoras para escrever uma obra que em grandeza corresponda às navegações dos portugueses. Da mesma forma, este estudo as invoca para falar de um tema imperioso: o Amor - Sem vos, Ninfas do Tejo e do Mondego, / Por caminho tão árduo, longo e vario! / Vosso favor invoco... (VII).
Em determinadas ocasiões de nossas vidas, relemos os nossos poetas favoritos e, até mesmo, ousamos escrever alguns versos. Este estudo é um instrumento de reflexão sobre valores e aspirações humanas no que se refere ao sentimento amoroso, vistos através da obra da poetisa Florbela Espanca, denominados pelo crítico e poeta José Régio como donjuanismo. No entanto, o que propõe este trabalho é uma releitura da concepção do termo utilizado pelo autor, tratando-o como uma marca de humanidade. Seríamos todos Don Juans ao desejarmos o Outro?

O tema se tornou alvo da literatura universal, começando pelo Frei Gabriel Telléz, conhecido no mundo literário como Tirso de Molina, em El Burlador de Sevilla (1630), passando por Molière (1665) e por José Zorrilla, que escreveu no século XIX a peça "Don Juan Tenório".

Gregorio Marañón, em seu ensaio sobre o Don Juan, assinala que a palavra donjuanismo teve origem por volta de 1886, transformando o mito literário em uma modalidade de amor humano, em uma maneira de encontrar o amor por meio de diversas experiências. Afirma que Juan significa el nombre que evoca... amado de las mujeres, siempre cerca de ellas; el de rostro femenino y los largos cabellos, ao mesmo tempo que Tenorio é o que quiere decir tener y poseer (MARAÑÓN, 1974:81). Em outras palavras, o nome Don Juan é insubstituível e por isto nenhum poeta ou dramaturgo se atreveu a trocá-lo, transformando-se, assim, em um eterno personagem.

Através dos sonetos de Florbela Espanca, podemos perceber como o Don Juan que a habita irá manifestar seus sentimentos. A poesia assume o importante papel de exteriorizar o que há guardado no coração da poetisa através das obras Livro de Mágoas (1919), Livro de Soror Saudade (1923), Charneca em Flor (1930) e Reliquiae (1931). O livro A Mensageira das Violetas (1999), editado por Sérgio Faraco, servirá de apoio ao trabalho, uma vez que reúne grande parte dos sonetos de Florbela.

Assim como Agustina Bessa-Luís, a chamaremos carinhosamente de Bela ou, ainda, de Flor durante os três capítulos que constituem esta reflexão. O primeiro se caracteriza por apresentar uma visão generalizada sobre o tema donjuanismo, partindo, principalmente, das sensações que a leitura dos poemas causa no leitor e da base teórica de importantes autores, tais como Agustina e Régio - como jáforam citados - e, entre outros, Edgar Morin e Octavio Paz, com suas concepções sobre o amor e a poesia.

A eterna busca pelo amor ideal pode ser vista de forma intensa nas palavras da poetisa, algo naturalmente humano, mas que nem todos se atrevem a exteriorizar ser poeta ...é dizê-lo cantando a toda a gente!(Ser Poeta, 1930). Apesar de não nos expressarmos em poesia como o fez Florbela Espanca, vivemos a procura pela dádiva de um Outro que nos completará. O donjuanismo, no sentido de marca humana, é uma característica que pode nos acompanhar até a morte.
De fato, o Eu almeja encontrar um amor e para isto passa por distintas experiências. Este mesmo Eu remete a todo ser humano: alguém que deseja unir-se com um outro alguém, formar uma família, dar à luz um filho, enfim, simplesmente Viver!... Beber o vento e o sol!... / Erguer aos Céus os corações a palpitar!(Exaltação, 1923). Contudo, às vezes, não encontramos um ser especial para compartilhar a vida e partimos sempre em direção a uma nova procura, com a esperança de transformar a tristeza do desencontro em realização afetiva.

O trem que parte é o mesmo que chega, e o encontro se assemelha à despedida... todos os dias é um vai e vem... chegar e partir são dois lados da mesma viagem, canta Milton Nascimento: mande notícias do mundo de lá, diz quem fica... me dê um abraço, venha me apertar, to chegando... a hora do encontro é também despedida! (Encontros e Despedidas). Alguns partem para não mais voltar, enquanto outros se vão e apenas pensam no retorno. Tem gente que vem e quer voltar, tem gente que vai e quer ficar, tem gente que veio só olhar, tem gente a sorrir e a chorar... É a vida.

Estar vivo éalgo distinto de sentir-se vivo. Há seres que vagam pelos caminhos buscando um grande amor e não o encontram. Amar e sentir-se amado é tão vital quanto a existência da alma que sustenta o corpo: um sem o outro não forma um ser. Quando a ausência está presente, destrói o sorriso mais puro de alegria. Esta ausência chama-se solidão: dor profunda, medo, incompletude, escuridão. Ser sozinho é estar vivo, mas não, viver.

O donjuanismo pode ser visto por ângulos distintos: em alguns casos o Don Juan é considerado como um conquistador, um ser que engana e vive da sedução, que parte sem sentir dor porque lhe é indiferente a existência do Outro; por outro lado - e este estudo sustenta que é o caso de Florbela Espanca - pode ser visto, conforme já se afirmou, como uma característica do ser humano, ávido pelo seu direito de amar intensamente. Contudo, o que ocorre é que ele não encontra no Outro o amor que o satisfaça e sempre tem que partir. A sua partida é necessária, pois não há como permanecer em uma relação falsa, vazia. Partir dói porque representa uma tentativa de amar que fracassou: a busca há de continuar, não pelo prazer de conquistar, mas pela necessidade de amor.

Guardamos no coração as marcas que as experiências ou a falta delas nos deixaram, seja de tristeza e desilusão, de crescimento ou realização, entre infinitas outras. Somente o Eu poderá sentir a presença de suas feridas e cicatrizes, e Bela transformou as palavras em uma maneira de gritar ao mundo a sua dor por não conseguir encontrar algo que sacie a sua necessidade: o que a diferencia dos outros Eus. Vivemos, portanto desejamos o amor.

Ser um Don Juan, no sentido contrário ao mito e ao de José Régio em relação a Florbela Espanca, é extremamente humano, pois buscar um verdadeiro amor estáno destino dos seres. Entretanto, esta procura, quando obsessiva, transgride o saudável e torna-se doentio. O Outro se transforma em uma obsessão, deixando de significar sinônimo de felicidade e revitalização. A linha que divide o sadio e o não-sadio é bastante tênue, uma vez que ambos são intensos.

Tão humano quanto o donjuanismo é o erotismo que permeia as palavras de Flor, assumindo a função de instrumento de sedução. A sensualidade dos versos de Bela encanta e seduz os sentimentos de quem os lê e torna-se impossível não mencionar seu caráter erótico . Há um erotismo que transforma a vida em poesia... ou poesia em vida. A palavra erótico, que surge do termo erotikós, referente ao amor, deriva de Eros e do mito que aspira, como diz Boccalato (1996), a explicar a transformação da sexualidade animal no amor humano. A psicanálise, posteriormente, denomina o Deus do Amor como símbolo da vida e do desejo, energizado pela libido. Neste segundo capítulo, serão utilizados, também, uma pequena parte de O Banquete, de Platão e a obra de Marisa Boccalato.

Uma vez que se trata de uma obra com tom confessional, os seus dados biográficos serviram como base para a compreensão de dois dos termos atribuídos por José Régio a Florbela: o donjuanismo e o narcisismo. O terceiro termo utilizado por Régio, o hermafroditismo, que não será visto neste trabalho, corresponde a sua visão de que habita em Florbela o masculino e o feminino, simultaneamente, devido ao seu donjuanismo. De certa forma, a expressão equivale à linha norteadora deste estudo que aborda a duplicidade existente na poetisa.

No entanto, o objetivo deste estudo não é apresentar a cronologia da vida da autora, assim como o fez Agustina Bessa-Luís (1984), mas perceber como o Don Juan se manifesta emseus sonetos: buscar um amor é algo demasiado humano.

Por fim, na tentativa de explorar um pouco mais o que há no interior de Florbela, o mito de Narciso será abordado através de Pierre Grimal (1997) no capítulo 3. Diferente das outras duas características, o donjuanismo e o erotismo, o narcisismo se caracteriza por não ser comum a todo e qualquer ser humano: o Eu de Bela mergulha no lago de Narciso, pois Ser poeta é ser mais alto, é ser maior / Do que os homens! Morder como quem beija! / ... / É ter de mil desejos o esplendor / E não saber sequer que se deseja! / É ter cá dentro um astro que flameja, / É ter garras e asas de condor! / É ter fome, é ter sede de infinito! /... / É condensar o mundo num só grito! (Ser Poeta, 1930).


Conheça o trabalho completo da Monografia: O Donjuanismo na poesia de Florbela Espanca: "Amar, amar e não amar ninguém!"

Sobre o Autor

Patrícia Pires de Aragão: Escritora e professora de Língua Portuguesa e Língua Espanhola, com ampla experiência profissional como revisora editorial.

Site da Autora:
www.revisaotextual.com.br

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