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A Carta Inventada

por Pablo Morenno *
publicado em 26/08/2005.

Esta semana da Jornada de Literatura nos coloca dentro da vida literária do país e do mundo e põe a literatura do país e do mundo dentro da vida. Literatura que se preze precisa sangrar vida, e a vida adquire sua semântica pela literatura.

Dizendo literatura, onde Gullar disse poesia, parafraseio: “A literatura deve ajudar as pessoas a viver. Não com mentiras, não com bobagens, porque com isso não ajudaria. Mas ajudar as pessoas a viver na medida em que revela a beleza da vida. Não o “bonitinho” da vida, mas a beleza, as coisas profundas, essenciais, a experiência fundamental do ser humano.”

Ler a literatura com os olhos da vida e ler a vida com os olhos da literatura são exercícios humanos criadores de sentido. Se a literatura não serve para nada, é certo também que serve para tudo. A metáfora, mãe de todas as experiências literárias, não é mais do que uma promiscuidade entre os objetos do mundo na procura do preenchimento dos vazios da vida.

Quando, nas palestras que faço para crianças e jovens leitores, me perguntam o dia em que me tornei escritor, relato uma experiência acontecida aos quatro ou cinco anos da infância.

Éramos dez irmãos. Vivíamos na zona rural. Minhas irmãs foram trabalhar como domésticas em casas de família. Minha irmã mais nova foi a última. Foi a última porque não havia mais irmãs para ir. Aos homens cabia trabalhar como peões nas lavouras. E, exceto os pequenos demais, já haviam ido.

Era tempo de Natal. Esperávamos o retorno de minha irmã mais nova. Além da saudade a ser morta, haveria presentes a receber. Nada novo. Recebíamos apenas roupas usadas, ou brinquedos que os ricos da cidade não mais necessitavam. Minhas irmãs, lá em São Paulo, recolhiam entre os amigos de seus patrões coisas de segunda ou terceira mão para alegrar a família pobre no interior de Santa Catarina.

Dias antes do Natal, esperávamos nossa irmã. Veio apenas uma carta. Sabíamos que era dela porque a mulher dos Correios leu o remetente para mim e minha mãe.

No final da tarde, depois de descermos o morro até nossa casa, a mãe fez um chimarrão e sentou-se sob o cinamomo do pátio. Ela olhava a carta e chorava. Chorava e olhava a carta. Aquela tristeza materna, como o machado do pai lascando a lenha para a janta, espedaçava alguma coisa em mim. Não havia ninguém alfabetizado para a leitura.

- Mamãe, posso ler a carta, se a senhora quiser, eu disse.
- Como você vai lê-la, se ainda nem foi à escola, ela disse.
- Mas eu sei ler, sim. Quer ver?

A mãe foi até o quarto, pegou uma tesoura na máquina de costura, cortou com cuidado um lado da carta, e me entregou a folha de caderno recheada de sinais.

Tomei a carta nas mãos e a li em voz alta. As palavras saiam de minha boca e cobriam o rosto de mamãe com luminosidade. Igual aos dias de tormenta chegando com a vela no quarto onde eu e meu irmãozinho dormíamos. Bastava seu rosto iluminado aparecer na escuridão para o medo esconder-se debaixo da cama.

Não sei o que li naquela carta. Não tenho como saber se a carta inventada por um menino sem alfabeto tinha ao menos uma palavra da verdadeira. Sei apenas que, naquele momento, descobri o poder da imaginação para iluminar o rosto das pessoas. O escritor, como eu naquela tarde, mesmo quando não decodifica fielmente a realidade, diz coisas que se lá ainda não estão, poderiam ou deveriam estar. Se as palavras escritas são do mundo real ou do mundo inventado é coisa sem importância. Importa apenas que a literatura - como disse Gullar sobre a poesia - revele a beleza da vida. Ou - como disse Érico Veríssimo do escritor - segure uma lâmpada para iluminar o mundo.

Sobre o Autor

Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.

Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno

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