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A partilha da rapinagem

por Airo Zamoner *
publicado em 23/03/2005.

Perneta, Buxim e Paçoca estavam exultantes de alegria. Tinham conseguido organizar o bando como nunca. Planejaram o assalto com tanto esmero e técnica que surpreenderam a eles próprios. Na verdade, trabalharam durante muitos anos para convencer que o assalto seria possível e o mais importante, cheio de vantagens.

Agora, estavam todos juntos, num ápice de glórias, sem precisar de esconderijos como antes. Buxim falava que o dia maravilhoso tinha chegado, graças a um avanço de comportamento. Esse avanço provocou uma união, no início quase impossível, entre as maiores gangues rivais. Graças a ele, chegaram no alto, no mais alto patamar do gozo maior de todas as venturas, da riqueza, do prazer infinitos. Agora, tudo estava ali, à disposição de todos. O assalto estava feito e fora muito bem sucedido.

Perneta, sem largar seu charuto de estimação, mancando como sempre, já que lhe faltava o dedão no pé esquerdo amputado num acidente de trabalho, chegou até uma grande cortina e sacudiu a ponta, soltando-a lá do alto. A seda rubra como sangue desabou suavemente, desvendando aos poucos, o esquema do fruto grandioso do maior assalto já planejado. Ouviu-se uma prolongada onomatopéia de admiração conjunta da platéia heterogênea.

Buxim explicou que a pilhagem não podia ser trazida inteira. Era coisa muito grande. O jeito foi trazer só o resumo ainda não bem dimensionado, para mostrar a magnitude do que tinham conquistado. Aquilo serviria de base na partilha democrática a começar naquele instante. Como acontece num enxame de abelhas lambuzadas de mel, um zunzum percorreu a platéia. Zunzum cujo tom variava de incredulidade para admiração, desaguando em cobiça deslavada. Fez-se um silêncio prolongado. Ninguém, muito menos Perneta, conseguia entender o tal esquema. Era complexo demais para cabeças tão primárias, desprovidas de qualquer tipo de conhecimento mais elaborado.

Cada naco do tesouro roubado com tanta astúcia e zelo tinha que ser discutido à exaustão, para se saber com certeza, a quem caberia. E tinha que respeitar muitos critérios. O mais relevante, o da participação efetiva de cada um no assalto.

A coisa era tão grande que as vítimas foram comunicadas de tudo o que ocorrera no mais agressivo caradurismo da história. Lá fora, murmuravam entre lamurientos e esperançosos. Estupefatos, nada podiam fazer, já que o comando não era mais deles.

Aos poucos, os assaltantes descobriram que a distribuição da riqueza estava sendo mais difícil que o próprio assalto. Discussões intermináveis, medos, escrúpulos, arapucas, chantagens, ameaças foram ocorrendo lá no alto. Quando tudo parecia estar equacionado e a maioria gargalhava de satisfação, alguém alegava merecer mais na hora de rachar o bolo e tudo recomeçava, como se nada tivesse avançado.

Cansados da espera, os saqueados não mais se lamentavam. Como única fonte de alívio, passaram a fazer piadas execráveis para zombar dos novos donos espúrios da coisa, salientando a ridícula situação dos desentendimentos entre os recentes possuidores do cobiçado tesouro.

Algumas vezes, Paçoca demonstrava sofrimento. Perneta, porém, pulava feito criança, um pulo manco, muito engraçado, espirrando palavras burras que provocavam os risos zombeteiros da malta inteira. Mas nem todos queriam divertimento. A maioria queria mesmo era seu xaboque apetitoso, sua parte na coisa. E para isto, poderiam até sair matando por aí.

Perneta, então, lia scripts elaborados por seus comparsas mais instruídos, tentando acalmar os insatisfeitos. Mas Perneta era sôfrego na ânsia de falar por todos os seus furos e despejava tanta bobagem que estragava os pequenos avanços.

Meses, até anos se passaram e a cada novo ensaio de uma partilha da rapinagem, seguia-se um furacão de queixas e ameaças.

Perneta, finalmente, lembrou-se de uma autoridade que imaginava ter conquistado ao longo de muitos anos junto às gangues mais afamadas e principalmente, coisa inexplicável, até junto a um bom número dos próprios assaltados. Matutou sobre este apoio todo e, com o rosto avermelhado, os cabelos um tanto desgrenhados, suando a cântaros, bateu na mesa com estrepitosa e hilariante decisão, fazendo voar a fileira de copos vazios. Alguns rolaram para o chão e quebrados, deixaram escorrer pequenos filetes sobrantes do líquido inflamável. O ar ficou envolvido com o aroma de Baco. Paçoca, apressado, engatinhou pelo chão recolhendo cacos enquanto Buxim abanava o espaço para dissipar os fedores. Aproveitando o silêncio efêmero, Perneta usou da palavra para declarar à viva voz, doesse a quem doesse, que a distribuição tão esperada já estava em sua cabeça e foi dizendo, sem tomar fôlego, os nomes completos de cada ministro.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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