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Mediocridade para todos!

por Airo Zamoner *
publicado em 15/02/2005.

Quando Lapucra Ramos de Oliveira, seus amigos e todos seus inimigos se reuniram a portas fechadas numa das mais luxuosas dependências públicas da capital federal, sabia-se que alguma coisa de terrível iria acontecer.

O conclave durou muito, mas todos saíram de lá sorridentes, sem esboçar sinais de cansaço. Lapucra, o mais feliz de todos. Uma reunião inédita como aquela não poderia passar impune para um país como o nosso. Acontece que havia um intruso. Um único intruso naquele concílio. O Casubra, ou Casubra Cansado Filho, disfarçado de inimigo, teve portanto, livre acesso. Na realidade, o disfarce foi mera coincidência. Pensando tratar-se de uma fila para emprego, acabou entrando com sua belíssima fantasia. Terrível coincidência. Casubra voltou de lá transtornado.

O discurso de Lapucra foi objetivo. Dizia que era mais que momento de amigos e inimigos de cima se unirem porque todos tinham objetivos comuns. Todos, de uma forma ou de outra, queriam submeter a democracia a seus desejos, fossem eles quais fossem.

Se vocês, meus caros inimigos, querem a democracia para se projetarem diante da turma lá de baixo, para se colocarem aqui em cima e se meus amigos também querem a democracia para se sustentarem no poder, está aí um motivo de união indestrutível. A democracia! É um dos motivos mais nobres.Todos nós a queremos. E por que a queremos?

É ela que permite conduzir a turma de baixo de acordo com nossa vontade. É ela que permite uma justiça lenta e corrupta. É assim que forjamos nossa inocência. Com uma justiça medíocre está nossa salvação. Lutemos por ela através da democracia.

É usando a democracia que criamos uma educação, também sempre medíocre. Assim tem sido possível conduzir a tropa de medíocres a nosso favor. É ainda a democracia que viabiliza a existência dos subterfúgios que usamos e que aos olhos bobos da turma de baixo parecem coisas muito nobres e engrandecedoras. Eles gostam disso. Por que negar?

Ninguém pode esquecer, por exemplo, o voto do analfabeto que inventamos. E inventamos para quê? Ora, ora, companheiros! Para que alfabetizá-los? Isto seria uma ameaça contra nós mesmos. E quando alfabetizamos uns poucos para disfarçar, vamos devagar com os números e principalmente com a qualidade!

É a democracia que nos permite criar cotas para todos. Que invenção criativa e maravilhosa! Com as cotas, conseguimos aprofundar a mediocridade da turma debaixo. Por que adotar a solução definitiva de melhorar o ensino básico, se podemos através das cotas continuar vendendo as doces ilusões aos bobos de baixo? Vocês, nossos inimigos, nunca esqueçam disso. Cuidem bem desta armadilha. Nossa vantagem está na burrice deles. Que ela nunca acabe, pelo amor de Deus! Jamais esqueçam esta premissa lapidar. E ainda fazemos um imenso bem a eles! Vejam como sempre nos aplaudem e nos reelegem, nos carregam nos braços.

Essa união que proponho é justamente para que mantenhamos a democracia sob mordaça firme. Temos que sair daqui com um pacto muito bem amarrado. Amigos e inimigos, deveremos todos trabalhar para que a educação neste país não ultrapasse os limites da mediocridade. Para isto devemos sempre falar que educação é nossa prioridade. Eles entenderão de uma forma, porém nós saberemos do que estamos falamos. Educação, claro que é nossa prioridade e devemos mantê-la sob rédeas curtas. Ela não pode atravessar os limites perigosos da cidadania. Nossa prioridade é exatamente esta: estarmos vigilantes para que fiquem medíocres para sempre.

Não nos descuidemos. A mediocridade é a garantia de nossas posições.

Assim, companheiros, estamos aqui reunidos, inimigos e amigos, em torno de um objetivo comum, a democracia. Mas existem perigos à vista. A democracia é algo poderoso e deveremos tê-la sempre sob severa vigilância. Precisamos dominá-la com toda nossa energia. Caso contrário, poderá fugir de controle, voltando-se contra nós.

E Lapucra prosseguia entusiasmado.

Vejam, por exemplo, os partidos políticos que criamos e como navegamos de um para outro, de outro para um. Não é bonito? A turma debaixo aceita isto numa boa. Sempre aplaudem porque nós sabemos usar a democracia como pretexto infalível. Criar novos partidos é sempre um bom modo de confundir os idiotas da planície.

Casubra só ouvia, assustado.

É preciso, também, saber trabalhar com a dupla: democracia e esperança. A esperança é para o povo o que a cenoura pendurada na ponta da vara é para o coelho imbecil que corre para nunca alcançá-la. Saber semear esperança é estratégia importante para todos nós, amigos e inimigos.

Devemos ser criativos e do mesmo modo que inventamos o voto do analfabeto, as cotas, e tantos outros pequenos e grandes artifícios, devemos criar todos os dias, outras tantas arapucas que na aparência agradem o povão, deixando-os eufóricos.

As palavras de ordem que desejo deixar a todos neste nosso conclave secreto, é pois, mediocridade para todos! Ao sairmos daqui, vamos para nossas casas, nossos parlamentos, nossos gabinetes de poder, lutar pela mediocridade do povo. Para isto, vamos usar os valores ditos nobres como democracia, educação e cidadania, pensando sempre em como fazer para que a mediocridade se perpetue na turma de baixo. Assim, nós, a turma de cima, estará salva.

Casubra, cabisbaixo, saiu de lá encafifado e fundou um novo partido.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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