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A garrucha de Altivino

por Airo Zamoner *
publicado em 09/02/2005.

Agora é partir para outra. Levantar os prejuízos. Planejar novamente o futuro. Fazer o rescaldo do presente. Altivino, que só não foi Altevino por ignorância do tabelião, já percorrera esta via-sacra tantas outras vezes. Não tinha fôlego para outro recomeço. Achou melhor procurar a garrucha que devia estar no fundo de alguma gaveta e bem enferrujada.

Ia revirando a casa e rememorando os últimos tempos. A mulher, já havia partido com o patrão fazia muito tempo, abandonando-o no mais profundo isolamento amoroso. Olhava-se às vezes e via um velho no reflexo do espelho. Isto o deprimia. Reagiu, tentando conquistar a empregada do filho, mas isto acabou numa confusão dos capetas. Também, Altivino era um sujeito sem jeito. Foi logo agarrando Firmínia por trás, enquanto ela passava roupa distraída. Altivino pensou que o sinal estava se abrindo. No primeiro bafo, ela não percebeu. Deixou rolar. O cheiro era igual ao do patrão, de quem já acostumara a receber os fungados aquecidos. Deixava acontecer, não só para evitar o desemprego, mas porque achava o patrão uma delícia. Tá certo que se ele passasse dos limites, e sabe-se lá que limites eram esses, iría barrá-lo. Ou talvez, não! Mas, quando sentiu a mão no traseiro, por debaixo do vestido, percebeu que o tato não era o do patrãozinho. A mão era muito mais áspera, o apertão muito forte, desajeitado. Virou-se enfurecida, deparando-se com Altivino. Ele tentou fazer um “psiu” daqueles prolongados. Não adiantou. Foi o diabo.

Altivino ficou desprotegido porque a gritaria tomou conta do cortiço. O filho expulsou-o na mesma hora. Não se sabe o motivo verdadeiro da atitude filial. Ou foi para defender a moral da família duramente atacada, ou por ciúme e apropriação indébita de seu lazer nas distrações da esposa, ou de suas distrações no lazer da esposa...

Ninguém, nem mesmo um pai, pode ir chegando em sua colaboradora doméstica e ir pegando sem pedir... E pedir, quem teria coragem? Como imaginar o pai, pedindo para o filho que o deixasse tirar uma “casquinha” de sua empregada?

E agora?

Agora é partir para outra? Não! Desta vez é a garrucha! Ponto final! E em que diabo de gaveta foi guardada? Tinha que encontrar a desgraçada.

Sem mulher, sem dinheiro, sem emprego e execrado pelo filho único. Era demais para o equilíbrio emocional de Altivino.

Tudo estava terminado. Nada mais havia para sonhar, para planejar. Que futuro teria?

A decisão era definitiva.

Ainda bem que tinha guardado aquela garrucha. O duro era encontrá-la.

A casa virara um pandemônio! Tudo fora do lugar. Gavetas vomitando entulhos mofados pelo chão. Altivino, pisoteando sua história por todo o canto, desesperado para encontrar a arma: única herança que sobrara de seu velho pai.

Junto com a arma, certamente haveria munição. Sem munição, talvez seu objetivo não pudesse ser atingido. E se não a encontrasse? Se a ex-mulher tivesse dado um fim, só para castigá-lo mais um pouco? Não encontrava coragem para pensar em outra saída. A arma era o meio certo e rápido. E nem podia demorar muito. A oportunidade era agora!

Bem que Firmínia podia ter sido mais piedosa com ele. Mas não! Preferiu aquele escândalo. Um escândalo por quase nada... E lá ia Altivino, revirando armários, pensando e se deprimindo mais um pouco.

Finalmente, lembrou-se do baú da mulher. Na pressa da fuga, esqueceu-o ali naquele canto. Talvez a maldita arma esteja lá. Estava. Acariciou-a. Examinou o tambor. Tinha tambor porque garrucha era só o apelido da velha vinte-e-dois. Tambor vazio. No fundo do baú, um único projétil. Era suficiente. Vestiu-se com a melhor roupa. Tentou colocar o projétil na agulha. Não entrava. Talvez a velha garrucha não funcionasse. Rodopiou a arma com o dedo no guarda-mato, imitando os vaqueiros americanos e partiu.

Passou na delegacia do bairro. Deixou a garrucha, assinou o recibo e pegou os cem reais. Saiu contente para a rodoviária. Comprou duas passagens. Foi recomeçar a vida em Astorga, junto com Firmínia.


Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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