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As Três Fases/Faces de Bosch

por José Aloise Bahia *
publicado em 30/10/2004.

Sabemos muito pouco sobre a vida de Hieronymus (Jerônimo) Bosch. Ele nasceu por volta de 1450 no Sul da Holanda, bem perto da atual fronteira com a Bélgica. O sobrenome (Bosch) tem origem na cidade natal do pintor, s´Hertogenbosch, uma próspera cidade comercial do final da Idade Média. Consta na sua família inúmeros artistas. Inclusive o pai era uma espécie de consultor artístico de uma confraria católica da região. Bosch faleceu em 1516.

Muitos estudiosos das artes plásticas dividem a obra de Bosch em três fases. Um primeiro período (a primeira fase/face) é marcadamente influenciado pelas iluminuras (pinturas e ilustrações feitas por meio de cores vivas, em ouro e prata, onde se combinam letras, cenas, flores, folhagens e a figuração) tão comum na Holanda naquele tempo. Neste período (de 1470 até +-1480) as composições são relativamente simples, com pouco uso da perspectiva e sempre pautadas pelas invocações bíblicas, como a Adoração dos Magos, Cruz às Costas, o tríptico (conjunto de três painéis) Altar de Santa Juliana, mais conhecido como a Crucificação de Santa Juliana e as Bodas de Canaã, todos óleos sobre madeira. Neste último quadro, segundo pesquisadores, já se começa a perceber os delírios profanos de Bosch, para uma interpretação nova e original das passagens bíblicas: uma complexa alegoria da moral humana, onde os extremos, o real e o ideal convivem numa satisfação carnal e mundana dos prazeres (o pecado) em contraponto ao sacrifício imposto pela vida espiritual e monástica, o retiro, o silêncio e a oração, símbolos da salvação (a virtude). Eis os temas que traspassam um tipo de crise, beirando o absurdo e aprofundam a busca de uma heterotopia (ligar coisas impossíveis), os quais confirmam a indecisão universal e criativa em Bosch: o homem é um ser em crise.

Mesmo contemporâneo do Renascimento Clássico, no final da Idade Média e início da Idade Moderna, de forma independente e solitária, Bosch antecipa e profetiza um tipo de maneirismo no bom sentido do termo (momento de transição, momento de crise) que irá aflorar bem longe, e contagiará os expressionistas e surrealistas. O seu senso de humor e ironia traduz de maneira eloqüente a passagem e a transição dos séculos 15 e 16. Bosch, com certeza, foi uma testemunha ocular da História.

Quando a fase (face) barroca míngua para entrar em cena o Renascimento Clássico, Bosch em seu ímpeto criativo para descrever o real em cores e figuras entrelaçadas, lança mão de outros recursos, não se atendo somente a razão. Ele mescla o visceral mundo dos desejos humanos reprimidos, delírios e cantos profanos (carmina burana) com a moral católica, num local onde Deus jamais poderia imaginar: o universo dos sonhos. Parecendo antecipar o inconsciente freudiano e as metamorfoses kafkianas, numa linguagem própria e original, estampadas em telas, onde convivem bichos, corpos nus, luxúria, demônios, bacanais, detalhes do cotidiano, medos e desejos latentes dos camponeses e religiosos. A moral cristã batendo de cara com o mais doce dos pecados: as delícias do mundo.

Na segunda fase (face), considerada por historiadores como intermediária (+-1480/90), o espelho do homem é retratado de uma maneira onde santos e seres comuns e vulneráveis convivem lado a lado. Como no quadro As tentações de Santo Antão.

O olhar medieval e impiedoso de Deus já não caminha só. Vastos sentidos, visões e a mão de Bosch pintam os Sete Pecados Mortais e os Quatros Novíssimos do Homem. Em tom de sátira, Bosch engloba os sete pecados capitais, bem como dotam-nos com personagens exemplares para falar e ironizar a nobreza, a igreja e a ingenuidade humana. Na Nave dos Loucos, freiras e camponeses convivem de uma maneira atroz e a espera de castigos impostos aos pecadores. De maneira especial as freiras, figuras angulares e soberbamente acostumadas aos típicos vícios dos conventos: a luxúria e a gula.

O pecado e a tolice permeiam toda a obra de Bosch. A ilustração está no quadro O Juízo Final. O temor e o sofrimento presentes no inferno e purgatório inflamam o óleo com cores fortes e telúricas; em oposição, na parte superior do tríptico, na meia-lua, anjos com seus clarins, em tons aneblinados no céu, formam um ápice da redenção, salvação e encontro com o Criador.

O triunfo do pecado e o pessimismo em relação à existência humana aparecem de forma magistral em dois trípticos na sua última fase (face). No painel central do Carro de Feno, observa-se o encontro de um papa e um imperador, a plebe e o clero em torno de um estranho carro, lutando entre si para ver quem toma posse deste feno salvador e transgressor; ao mesmo tempo símbolo e signo místico, no mesmo tom cinza da nuvem ao alto, onde aparece Cristo de braços abertos. Nunca o pecado e a avidez foram descritos de uma maneira tão impiedosa.

Por último, o seu painel mais conhecido: O Jardim das Delícias Terrenas, também conhecido como Paraíso Terreno. Aqui a luxúria, a perversão, o amor secreto, o fruto proibido, a nudez e o pansexualismo estampados em imagens e iconografias diversas, brilham em contornos estranhos, entre fontes, casas, edifícios de ouro e prata, e demonstram a vivacidade colorida que é a Fonte da Juventude. O que Bosch, no fundo da sua moralidade cristã, nos mostra é um falso paraíso, cuja beleza é passageira e conduz os homens à ruína e condenação. O homem em completo estado de êxtase, fugindo e abandonando o verdadeiro paraíso por causa do falso paraíso. O pecado mortal.

Tanto o Carro de Feno quanto O Jardim das Delícias representam a humanidade nas garras dos seus eternos inimigos: o mundo, a carne e o demônio. O homem submetido às tentações profundas e torturado pela imaginação diabólica de Bosch. A representação do inferno tentador e sugestivo, lembrando a todos o destino cruel que aguarda os que sucumbem ao mal.

O estilo de Bosch é único na Historia das Artes. Suas faces, alegorias ou provérbios sobre o destino dos seres humanos confirmam o grande mar de dúvidas, delitos e crises da contemporaneidade, os quais somos sempre submetidos, num tempo catastrófico e efêmero, povoado de sonhos e alucinações advindas do inconsciente, temores e violências do cotidiano. O mundo boschiano, que desconhece a razão, ou a conhece de uma outra maneira e numa outra dimensão, é tão impiedoso e tentador que o real e o desejo se transmutam numa diabólica surrealidade.

Sobre o Autor

José Aloise Bahia: José Aloise Bahia nasceu em nove de junho de 1961, na cidade de Bambuí, região do Alto São Francisco, Estado de Minas Gerais. Reside em Belo Horizonte. Tem ensaios, críticas, artigos, crônicas, resenhas e poesias publicadas em diversos jornais, revistas e sites de literatura, arte e imprensa na internet. Pesquisador no campo da comunicação social e interfaces com a literatura, política, estética, imagem e cultura de massa. Estudioso em História das Artes e colecionador de artes plásticas. Sócio fundador e diretor de jornalismo cultural da ALIPOL (Associação Internacional de Literatura de Língua Portuguesa e Outras Linguagens) Estudou economia (UFMG). Graduado em comunicação social e pós-graduado em jornalismo contemporâneo (UNI-BH). Autor de "Pavios Curtos" (poesia, anomelivros, 2004). Participa da antologia poética "O Achamento de Portugal" (anomelivros, 2005), que reúne 40 poetas mineiros e portugueses contemporâneos.


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