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No ponto de ônibus

por Rubens Shirassu Júnior *
publicado em 03/08/2004.

Todas as vezes que penso na vida, revejo as retas e as curvas no ponto de ônibus. Por um instante, voltei meu pensamento para a cidade e sua vida. Pensei nos desgastes nervosos desta vida, nos desencontros, nas incertezas, no jogo das ambições e de vaidades, na procura de amor e de importância, na caça ao dinheiro e aos prazeres. Há anos que a vida nos jogou para lados diferentes, em profissões diversas, e nesses muitos anos apenas nos vimos ligeiramente uma vez ou outra. Mas aqui estou, no ponto de ônibus, olhando com amável ferocidade, os sinais de decadência. Lamentei, mas, por pouco tempo; logo, num movimento de bom humor, resolvi descobrir que, afinal de contas, minha idade é confortável e, mesmo bem pensadas as coisas, estimável.

Quem viveu a vida sem se poupar, com alma e o corpo, e recebeu todas as cargas em seus nervos, pode conhecer, como eu, essa vaga sabedoria animal de envelhecer sem remorsos. Fora das ocasiões em que quase morri, quantas vezes num silêncio humano, minha alma ansiava por chegar na próxima parada, sem olhar para o pó que se acumula nas ruas e avenidas. Enquanto meu corpo sangrava, era a alma que mais florescia. Como se minha alma precisasse de uma prova de coragem.

Lembrei dos amigos de quinze a trinta anos atrás. O primeiro enlouqueceu, outro morreu de tanto beber, um se matou, outro ficou religioso e muito rico, há aqueles que a gente encontra, às vezes, num dia de compras no supermercado ou numa esquina de rua. É algumas evocações nos comove quase nos surpreende, como se, de súbito, elas estivessem presentes na rua, gravadas como marcas de sapatos. Existe sentido reencontrá-las hoje; dentro de mim elas permanecem como a estrada do destino; e a verdade é que deixaram em mim a mesma lembrança misturada de adoração, encantamento e espanto. A sensação de surpresa dava a mão e os pés àquela vermelhidão crua e fria que me tornava extremamente estático. Nas ruas, avenidas ou estradas uma coisa essencial se passa. É de vibrar de emoção; onde à noite há o desejo de perigo e aventura. E, depois, vem o desejo de viajar de todo descendente de estrangeiro - e isso é um movimento inquieto e amplo.

Sobre o Autor

Rubens Shirassu Júnior: Designer artístico, jornalista e autor entre outros de Religar às Origens (Ensaios, 2003) e Oriente-se: Manual de Procedimentos no Japão, 1999.
É o autor da coluna OLHO MÁGICO na VERDES TRIGOS.

Contato: jrrs@estadao.com.br

Veja também o "ORIENTE-SE: Manual de Procedimentos no Japão"
Edição Independente de Rubens Shirassu Júnior
Site do Livro: http://www.stetnet.com.br/orientese/

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