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A Primeira Rolinha

por Leopoldo Viana Batista Júnior *
publicado em 25/04/2004.

Inverno de 1929. Para ele, ainda ontem.

Já havia se passado um pouco mais de dois anos desde que sua Tia Lídia o carregara à sua companhia. Ele continuava “dono” de tudo que o cercava, sequer havia iniciado estudo formal de alfabetização. Naquele tempo, lembre-se, a primeira infância era apenas da criança. O mundo era todo dele.

Disse-me que não afirmava haver sido dado, como se diz popularmente por aquelas plagas, pois fora seqüestrado mesmo. Roberto, seu irmão caçula, nascera muito doente e parecia não ter compromisso com a vida, assim os mais velhos haviam lhe contado. Ele, já esperto, com pouco mais de dois anos, constituía “entrave”, certamente, aos cuidados prioritários que sua mãe se obrigava a dispensar àquela doente criatura. Assim, fora seqüestrado por sua, como dizia, amada tia Lídia que, solteira, comprometera-se a oferecer os cuidados que o pirralho precisava e que, de forma intensiva, necessariamente teriam de ser dispensados a seu irmão Roberto. Dizia seqüestro, e não doação, creditando o fato, muito mais, ao amor da sua tia em tê-lo do que ao desapego maternal, pois aquele ato havia sido cercado do mais puro amor, em favor das duas crianças, o que só compreendera completamente quando adulto.

Assim, passara a morar sob a companhia dos seus avós maternos e sob a responsabilidade da sua tia, na fazenda Santa Rosa, ali bem pertinho da pequenina Pirpirituba, cidade em que nascera e onde seu pai já desenvolvia o ofício de farmacêutico e comerciante.

A fazenda Santa Rosa representava todo o seu universo de criança feliz. Nada lhe faltava, fazia questão de registrar. A casa grande, afora as dependências internas, possuía um grande e prazeroso terraço em forma de “U”. Às tardinhas, todos se reuniam a ouvir os causos que seu avô contava, enquanto os atualizava sobre os acontecimentos da “metropolitana” Pirpirituba e os da própria fazenda.

Pois foi exatamente naquele terraço, em uma daquelas frescas tardes de inverno, como fazia questão de frisar - em que o dia se vai mais cedo e o horizonte ganha tons acinzentados - que avistara, pousando em uma jurema branca de copa muito bem definida, uma rolinha caldo-de-feijão. Aquela era a oportunidade e o sonho que um rapaz com cinco anos tanto esperava. Lagartixa e pequeninos passarinhos já eram seus fregueses e sucumbiam sob a pontaria da sua mortal baladeira.

Baladeira. Este instrumento obrigatório aos meninos da sua idade, também chamado, Brasil afora, de estilingue ou atiradeira, ao final de cada dia, quando pendurado na coluna do espelho de sua cama, parecia lhe falar: Léo, e a rolinha?
Chegara, então, o momento supremo e a ímpar oportunidade. A utilização oficial. A inauguração definitiva do instrumento que o tornaria um verdadeiro caçador.

Em parênteses, relembrou que Zé Miguel foi seu fabricante, no que era perfeccionista. Sua baladeira, descrevia, possuía duas hastes flexíveis de borracha, retiradas de câmara-de-ar velha; um pequeno pedaço de couro que as segurava em seus extremos, próprio para abraçar as pedrinhas; e uma perfeita, perfeita mesmo, forquilha de galho de goiabeira. Era instrumento invejado e atestava a capacidade artesanal daquele matuto pegador de boi da fazenda.

Ao narrar aquele acontecimento distante - sentado em uma cadeira de balanço de madeira, com assento de palhinha, rodeado pelo mavioso cantar de sabiás-brancos -, meu velho e querido pai não escondia de mim seus serenos olhos marejados, impregnados que estavam por emocionada e singela fina lâmina lacrimal. Mas, fazia-o discretamente, senão pela emoção que revivia, decerto pela idade avançada que já lhe esgotava, paulatinamente, a matéria levemente alcalina resultante da emoção, as lágrimas.

Pois bem, continuava falando, com o coração disparado, colocara a mão em seu bisaco de brim, escolhendo e retirando uma roliça pedrinha, e apontara na direção do seu sonho penado. No alvo. Caíra abrindo as asas entre as folhas da jurema e se debatera muito pouco no chão. Naquele instante, com o troféu entre os dedos, considerava-se o menino mais feliz do mundo. A fazenda inteira participara da sua alegria e contentamento, repetia. Fora mais de duas horas de êxtase. Comera a pequenina ave ainda naquela noite, à luz de um lampião de querosene “jacaré” e sob a vista de todos, preparada na brasa com o carinho todo especial da sua saudosa Tia Lídia.

Ao recordar a história e contá-la, confirmava que, mesmo com mais de 70 anos vividos, ainda se emocionava ao lembrar da primeira rolinha-caldo-de-feijão, e sentia, apesar dos anos que se passaram, a mesma intensa emoção vivenciada naquele longínquo final de tarde de 1929.

Sobre o Autor

Leopoldo Viana Batista Júnior: Cronista.
Autor do Livro: Estrada de Barro para Ladeira de Pedra.
Advogado da CAIXA em João Pessoa/PB.
Professor Universitário e Ex-Conselheiro Estadual da OAB/PB.


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