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LÍNGUA E LITERATURA

por André Carlos Salzano Masini *
publicado em 14/04/2004.

O texto literário é como uma garrafa atirada ao mar. Ele deixa o aconchego das mãos que o criaram, e mergulha na fria corrente de indiferença, que é o mundo; é arrastado pela imensidão impassível dos oceanos, perde-se na infindável apatia das calmarias, é castigado pelas tormentas do implacável desprezo...

Mas, em um dia qualquer, acaba sendo encontrado pelas mãos de outro ser humano... talvez na praia vizinha, talvez no outro lado do planeta.

E essas mãos recolhem a garrafa, abrem-na, compreendem-na, decifram-na... e a garrafa e o texto revivem para a luz... E, assim, toda a viagem, todos os mares, todo o sacrifício... afinal valeram a pena.

Na alma que encontrou a garrafa, o texto é recriado... E o texto se transforma num elo de compreensão entre as almas e os corações do leitor e do autor. Leitor e escritor são os dois lados de uma realidade etérea que somente eles dois compreendem, e que é a Vida da obra literária. O grito e os sentimentos da alma que escreveu só podem ser ouvidos e entendidos pela alma que lê. As emoções, as angústias, as idéias, a mensagem... são quase impossíveis de explicar a uma terceira pessoa.

Uma garrafa atirada ao oceano... sem as mãos que a encontram, não é uma mensagem, não são palavras; é a amargura de palavras não ditas, de palavras sufocadas e perdidas para a eternidade... Uma garrafa, sem as mãos que a encontram, não tem sentido algum... é apenas um ruído a mais, um resíduo a mais a poluir o mundo.

Escrevi essas linhas, meu caro leitor ou leitora, numa frágil tentativa de mostrar a imensa importância que você tem, e para agradecer.

A todos que têm lido minha coluna em "O Paraná", e especialmente a quem me tem enviado e-mails: obrigado! Sem vocês, meus textos não seriam nada... apenas ruído.

* * *

Ao falar desse assunto sério -- o encontro de duas almas através da literatura -- recordei alguns episódios tragicômicos, uns verdadeiros desencontros, que me aconteceram devido à ignorância em um idioma.

Ao chegar ao Equador para trabalhar, eu quase nada sabia de espanhol, e muito menos das gírias equatorianas. Mal passara-se uma semana, e lá estava eu em uma "confraternização" de escritório, com a presença dos mais importantes chefes e diretores, e onde involuntariamente eu me tornei centro das atrações.

Um brincalhão geólogo equatoriano chegou para mim (como fazia a todos os recém-chegados) e ofereceu-me um cálice de um líquido transparente, que dizia ser uma "bebida local". Eu deveria "virar" o tal cálice.

Os olhares maliciosos de todos os presentes fixaram-se em mim, e um silêncio opressor encheu a sala.

Intimidado, eu virei o cálice.

Um violento arrepio sacudiu meu corpo, e uma onda de calor me subiu às faces...

O tal líquido era simplesmente... cachaça!

As pessoas riam discretamente de minha reação.

Estimulado pelo choque do álcool e aliviado por a "bebida local" não ser nada do outro mundo, eu exclamei:

-- Pinga!

E a sala explodiu em um estrondo de gargalhadas e gritos! As pessoas se dobravam segurando os estômagos, vermelhas de tanto rir... Mulheres ficaram constrangidas... A meu lado, o tal geólogo fingiu puxar a calça e entornar o cálice dentro...

-- Não, não é para a "pinga", berrava ele.

Foi assim que eu aprendi que "pinga", por lá, é nada menos que o órgão masculino.

Semanas mais tarde, interrompi meu trabalho no mato para servir de guia a uma distinta senhora brasileira, mãe de um diplomata do BID, que, sabe-se lá por que, cismara de conhecer o rio Coca.

Fomos de jipe, junto com um "machetero" (abridor de caminhos no mato) meu subordinado; um senhor de certa idade, sério e respeitoso. Por toda a viagem, ele não dissera palavra; mas subitamente se empolgou, virou-se para a senhora e falou:

-- Podemo-nos entrar em la selva allá adelante para ver la "pica" de don Lutcho.

A fina senhora arregalou os olhos e pasmou.

Eu acudi, explicando que "pica", por lá, queria dizer "picada", "caminho no mato", e que a "pica de don Lutcho" era um belo "caminho" que don Lutcho havia aberto no mato, rico em orquídeas, etc...

Mas a boa senhora, por via das dúvidas, não quis ver não. Quis é voltar para Quito imediatamente, e acho que até hoje tem sérias desconfianças sobre nós.

A língua, se manejada com insuficiente destreza, é como um garrafa atirada para cima, que pode voltar sobre nossas cabeças.


Sobre o Autor

André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.

Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.

contato: andre@casadacultura.org

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