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A luz azul de nossas orelhas

por Airo Zamoner *
publicado em 30/01/2004.

No emaranhado de gente se acotovelando na tarde moribunda, Genésio conseguiu ver aquela absurda luz atrás da orelha do transeunte. Uma luz tênue, um pouco difusa, mas que chegava a se espalhar por alguns centímetros. Ao vê-lo de frente, percebeu um certo arroxeado na orelha que não chamava a atenção, mas por trás, era muito evidente. Pessoa comum, aquele senhor. Vestia-se de forma despojada, quase esportiva, contrastando com a idade que parecia um pouco avançada. Olhos brilhantes, leve sorriso. Certamente, divertia-se consigo mesmo, brincando travesso com seus pensamentos. Extraviou-se no povaréu e Genésio ficou com aquela sensação de ilusionismo de uma tarde em despedida.

Em época de tantos badulaques a enfeitar umbigos e outras regiões menos nobres, Genésio chegou a pensar que se tratava de nova moda. Um piercing eletrônico, quem sabe?

Por outro lado, a luminescência era por demais clara em sua mente para sossegá-lo através da noite.

Dia pesado, triste, demorado, atrapalhado, embutido nas agruras nacionais a esburacar seus planos, lá se foi o relógio capengando tarde adentro. Desceu do edifício Asa e se atravancou na “Boca Maldita”, em busca do azulado a se espalhar pela nuca daquele sujeito. Preparava-se mentalmente para barrar sua caminhada e o interpelar sobre aquela irracionalidade, assim que o visse. Vasculhou à toa pela multidão e encarou a garota, não tão garota. Linda, saracoteante, risonha, conversando com outras duas colegas. As três com um sorriso matreiro, escorregadio, a esconder ironias secretas. Pasmado, percebeu o tom arroxeado nas delicadas orelhinhas das três. Esfregou os olhos. Piscou várias vezes. Fechou-os por um segundo. Abriu-os e elas estavam mais perto. Agora era inegável. Esperou que passassem. Queria ver por trás. E lá estavam as luzes enfeitando o traseiro das orelhas. Agarrou desesperado o primeiro sujeito que alcançou e pediu para que olhasse para as garotas. Sacudiu pelos colarinhos o moço assustado, virando o rosto ora para as moças que se afastavam, ora para ele, num frenesi de angústia. Ele agarrou as mãos de Genésio, livrando-se do aperto. Esboçou um sorriso esquisito. Não reclamou, nem agrediu, apenas sorriu. Livrou-se e foi caminhando. Genésio, entontecido, pôde apenas ver a mesma luz azul atrás de sua orelha enquanto se afastava.

A cada novo dia, aquela mania, ou sabe-se lá o que era, se tornava mais comum. Genésio desistira de investigar. Nem para os amigos podia desabafar suas aflições. Muitos deles já mostravam aquele mesmo sorriso. Ouviu dizer que tinha algo a ver com descontrole do conhecimento.

Cabisbaixo, Genésio caminhou desarvorado para alhures, enquanto aos poucos sua orelha se azulava, se arroxeava e se iluminava. Olhando-se no espelho, compreendeu tudo e percebeu sua boca se ajeitando num sorriso zombeteiro.

A vizinha, igualmente de orelha azulada, tinha dito que o governo havia perdido o controle e não conseguia mais manter o povaréu ignorante.

Dormiu como um anjo. Sonhou como criança. Acordou sorrindo. Recusou-se a dirigir naquela manhã. Encarou a Estação-Tubo e trocou sorrisos com todos. Na Pedreira Paulo Leminski, a multidão já se apertava. Todos com suas orelhas iluminadas. O país não conseguiu ser mais o mesmo depois das luzes azuis. Nem o mundo!

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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