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A bússola de Ludovico

por Airo Zamoner *
publicado em 21/01/2004.

O barco não era propriamente um barco, era imenso um navio. A tempestade amainara e a quase-multidão se acotovelava no convés, com frio e pânico. Alguns desapareceram durante a borrasca. Mantimentos se perderam. Combustível escoou.

A tripulação que já não gozava de boa reputação desde metade da viagem, passou a sofrer uma oposição feroz a tudo que fazia ou tentava fazer.

Ferdinando, num discurso inflamado, conseguiu abafar o quase-motim, incentivando as pessoas a colaborarem na recomposição da marcha para o bem de todos, deixando julgamentos para o final da viagem.

Ferdinando apontava a bússola gigante exposta no convés e dizia:

– Vejam a agulha apontando nosso rumo. Basta que todos se unam.

Os cochichos e conluios, as mentiras e os interesses mesquinhos iam aos poucos contaminando a confiança nos responsáveis. Um grupo de opositores queria o comando da situação. A crítica vinha com ferocidade sobre tudo e sobre todos os membros do comando. Nada era considerado certo não importando a forma e as justificativas técnicas.

A competência e honestidade dos líderes era posta diariamente em dúvida. Ludovico liderava o movimento com unhas e dentes. A dúvida gerava falta de cooperação e retardamento na retomada da marcha.

Vencido pelo cansaço, Ferdinando chamou todos ao convés para uma assembléia. As discussões e múltiplas acusações infernizavam a vida de todos. Explicações pormenorizadas e científicas de como a equipe tomava as decisões eram ridicularizadas e desautorizadas de todas as formas. Nada se concluiu na assembléia e Ferdinando amargurou uma situação inusitada. Poderia simplesmente decretar a prisão dos mais exaltados com o argumento de manter a ordem para salvar a embarcação e todos seus viajantes. Isto, contudo, poderia incitar mais ainda os que se opunham. Vangloriavam-se eles pelos cantos, apregoando disporem de gente mais qualificada para assumir. Exigiam uma votação. Como argumento, apontavam para bússola e diziam que estava sendo adulterada pelo comandante, enquanto na calada da noite, eles próprios intervinham fraudulentamente em seu mecanismo.

A pressão foi tamanha que a tripulação vencida cedeu. Marcou-se o dia para a confirmação ou substituição de toda a equipe. Daquele dia em diante, Ludovico passou a boicotar todas as ações de consertos e de soluções dos problemas causados pelas tempestades. O que importava era a conquista do poder. Para isto, só havia um jeito: torcer para que tudo ficasse cada dia pior. Contavam e recontavam as possibilidades, aumentavam os acordos e as promessas de participação no comando com quem quer que se dispusesse a apoiá-los. E, é claro, ao mesmo tempo em que juravam acabar com todos os privilégios, prometiam distribuir privilégios aos aliados.

A votação aconteceu num domingo cinzento. No horizonte, trovoadas assustadoras ameaçavam destruir as poucas conquistas. Ferdinando foi derrotado. Ludovico comemorou como nunca. Vibrou como ninguém. Juntou seus amigos vitoriosos e festejaram durante três dias e três noites sob os olhos atônitos de todos.

Passadas as orgias da vitória, começou a escolha dos novos ocupantes de cada posto. A embarcação quase soçobrou naqueles dias de festas. Na cabine de comando, os debates pareciam não terminar. Finalmente, apresentaram os novos chefes. Todos tinham traços unificadores: a amizade férrea, a gratidão, a lealdade. Ficaram de fora aqueles que conheciam profundamente o barco, bem como os que dispunham de planos muito bem elaborados para tirar todos daquela situação. Nunca se viu tanta fidelidade, tanta retribuição, tanta firmeza no cumprimento dos acordos. Nem tampouco tantas comemorações...

Os destroços miúdos foram aos poucos chegando à praia. Ninguém em terra conseguia explicar como uma embarcação tão grande pôde se transformar em pó. Muito menos foi possível explicar o suicídio coletivo.

A grande bússola foi encontrada encravada na areia da praia por um menino distraído. Nem se deu ao trabalho de recolher. Estava sem agulha!

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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