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A imagem literária da cidade de SP

por Vera Carvalho Assumpção *
publicado em 04/01/2004.

"Os deuses, disse Homero, provocam os acontecimentos para que os poetas do futuro possam cantá-los". Desde a escalada da serra do Mar, perpassando pelos atos heróicos dos Bandeirantes, o salão da Marquesa dos Santos e chegando à metrópole dos nossos dias, os deuses vêm provocando muitos e variados acontecimentos na cidade de São Paulo. É nosso dever esmiuçá-los e cantá-los.

Como muitas coisas que nos ocorrem na vida, meu interesse pela a história de São Paulo surgiu por acaso. Sou paulistana e vivi toda a minha vida na cidade de São Paulo. Desde muito pequena ouço as memórias de meus parentes mais velhos e quis escrever um romance sobre o assunto. Embora a memória dos parentes tenha sido prodigiosa, quis ter uma base científica. Foi então que me aventurei pelos arquivos e, claro, me apaixonei.

Na investigação, a fim de desvendar as origens de minha família pelo lado materno, atingi o final da linha com a chegada ao Brasil de Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade que, entre 1827 e 1847, foi o 4º Bispo de São Paulo e que por sua vez já era sobrinho do 3º Bispo, D. Mateus de Abreu Pereira. D. Manuel Joaquim conseguiu uma sesmaria no Vale do Paraíba onde plantou café e para onde trouxe da ilha da Madeira, sua terra natal, um sobrinho forte e sacudido a fim de administrar o cafezal. Esse sobrinho casou-se com uma brasileira, constituindo assim o começo da família.

Deste trabalho escrevi o ensaio "A História Exemplar de Uma Família Cafeicultora de Origem Portuguesa" publicado em Portugal pelo Centro de Estudos da Secretaria de Estado da Emigração.

Em conseqüência de uma pesquisa que, no início, girava em torno de uma família, acabei por enveredar e me apaixonar pela vida da cidade de São Paulo numa época em que diversos agentes catalisadores estavam se infiltrando, influindo nos costumes, mentalidades e almas dos paulistanos. Depois de três séculos de uma existência modesta, agrária, relativamente auto-suficiente, o que fora um pouso de tropas, via-se diante das mudanças ideológicas trazidas pela Academia de Direito, associadas à vinda do capital para os florescentes cafezais. E o "intelecto" estudantil não só fomentava uma elite rebelde, como implantava as orgias do romantismo, pressionando as classes dominantes e rompendo tradições e costumes.

A partir desse gosto pela história de minha cidade, me envolvi em alguns trabalhos que, creio, dão sua contribuição à IMAGEM LITERÁRIA DE CIDADE DE SÃO PAULO. O primeiro é uma coletânea de contos baseados em processos. Embora ainda esteja inédita, a coletânea é a reunião dos contos premiados em vários concursos literários, inclusive o concurso Guimarães Rosa da Radio France Internacional, e se chama: PLAGIANDO ARQUIVOS.

O outro foi me aventurar na área policial. No mês de outubro de 2003 a editora Landscape publicou de minha autoria o romance PAISAGENS NOTURNAS.

Trata-se de um romance policial que trás como chave de seu enredo alguns aspectos da São Paulo do início do século dezenove, suas rodas de literatura e sociedades boêmias. Segundo sociólogos e antropólogos o que distingue uma cidade de uma aldeia não é o tamanho, mas a presença de uma alma.

A criação da Academia de Ciências Sociais e Jurídicas do Largo de São Francisco e a conseqüente vinda para a cidade de moços voltados para o romantismo foi a contribuição decisiva para que São Paulo criasse uma alma, para que o intelecto viesse para a cidade. E da união de todas as características formadas até então fosse possível gerar criadores de símbolos que eram os poetas românticos e, em especial, Álvares de Azevedo.

No romance, ao mesmo tempo em que a pintora Domitila cria paisagens noturnas que podem ter sido do cemitério da Consolação na época das esbórnias estudantis e que ela traz na memória da alma, o detetive Alyrio Cobra depara-se com um grupo que tenta recriar nos dias de hoje uma das sociedades secretas dos poetas românticos da São Francisco. É a sociedade Epicuréia cujos membros imitavam, na garoenta São Paulo de meados do século dezenove, os poetas românticos europeus. O clima da cidade era propício às orgias semelhantes às praticadas na Europa; e também ao nihilismo, o desespero, a melancolia impotente que impregnava a poesia romântica. Só que os valores vindos de fora eram frágeis no novo contexto da cidade e acabavam por cair em degeneração.

O grupo que tenta mais uma vez espelhar o movimento trazendo-o para os dias de hoje, quando a cidade não tem só uma alma, mas uma alma multiplicada pelos tantos grupos étnicos - e esfacelada pelos tantos problemas urbanos e pessoais -, também acaba por cair em degeneração.

O detetive Alyrio Cobra não busca apenas desvendar um crime, mas é um instrumento que permite ao leitor mergulhar na origem de nossa história, conhecendo o espírito em que se baseou a cidade até se tornar uma grande metrópole.

Além deste romance, achei que, digeridas as tantas crônicas e documentos da época, nosso passado poderia ser revisitado de uma maneira amena, atingindo o maior público possível e povoando-lhe os sonhos. Na época pesquisada, como em tantas outras, o papel social da mulher era pouquíssimo valorizado e, no entanto, tão importante. Em São Paulo, diferentemente das cidades litorâneas, os homens partiam para os cafezais do sertão deixando suas esposas cuidando de suas chácaras na Capital. E foi justamente esta vida trabalhadeira, íntima e cotidiana das mulheres comuns associada a da Marquesa de Santos, que depois de tantos escândalos na Corte, voltava para São Paulo, tornava-se publicamente amante do Brigadeiro Tobias e regia um requintado salão freqüentado pelas damas da cidade, que me levou a imaginar uma personagem feminina possível na referida época.

Comecei a escrever a SAGA de SOFIA que está sendo publicada de forma folhetinesca no site www.hotbook.com.br e está também na Folha On Line

Sofia, a protagonista, chega à cidade por volta de 1840, com seus padrinhos, Augusta e Inácio, atores portugueses que vieram à Corte do Rio de Janeiro representar uma peça clássica. Incitados pelos livros dos viajantes, os atores se propõe a passar uns tempos em São Paulo. Enquanto vão tomando conhecimento da cidade (Academia de Direito, repúblicas de estudantes, Casa da Opera, Igrejas e pontos de encontro) e dos costumes (festas religiosas, estripulias dos estudantes, seu culto a Byron, rituais religiosos dos negros, etc.), Sofia vê Augusta (como ocorria com diversas provincianas) apaixonar-se perdidamente por um estudante. Não encontrando clima para representar o mesmo drama clássico que haviam representado na Corte, os atores se dedicam aos textos escritos pelos estudantes.

Numa época em que, na Europa, os dramas febricitantes já davam lugar a uma literatura mais sã, os estudantes da Academia viviam o romantismo em toda a sua fúria. Envoltos neste clima, os atores vão transformando as próprias vidas em dramalhões folhetinescos. Augusta entrega-se a paixão. Inácio contrai tuberculose, doença dos românticos, e morre não da doença, mas assassinado. Como nos dramas folhetinescos, onde não há males que não venham para o bem, Sofia se safa de todas as situações embaraçosas e acaba conquistando posição social.

Na sua trajetória, Sofia perpassa as diversas camadas sociais. Chega muito jovem e cuida dos padrinhos que se envolvem nas orgias estudantis. Vive numa casa de prostituição. Passa uns tempos numa fazenda de café. Casa-se com doutor Coelho. Sua história prende chegar até a inauguração da São Paulo Raillway.

Por se tratar de uma história de ficção, os personagens são fictícios, com exceção dos mencionados pelos nomes Marquesa (Marquesa de Santos), do Bispo (D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade), do Conselheiro Brotero (diretor da Academia) e do Brigadeiro (Tobias).

Os estudantes são fictícios, mas têm como modelo os românticos que deixaram suas memórias. A garoenta São Paulo era o palco ideal para as cerimônias macabras dos acadêmicos. Eles moravam em repúblicas alvoroçando as casas. Eram senhores absolutos do teatro. Escreviam as peças, representavam e eram sua própria audiência. Não havia outra cidade no Brasil onde isso ocorresse. Embora para as outras cidades, especialmente na corte, viessem os atores estrangeiros para representar peças clássicas, São Paulo teve o único teatro experimental da época. Nem em Olinda, onde havia a outra escola de direito, existiu essa liberdade. Além do teatro, os largos, ruas e caminhos se animavam com seus passeios e suas troças, desenvolvendo novas representações da existência coletiva no velho cenário que as pedras tortas do calçamento, as taipas rudes e as misteriosas rótulas compunham.

Três personagens são exemplares: dona Quitéria, Zazaia e doutor Coelho. Dona Quitéria incorpora um grande número de paulistanas que faziam quitutes e mandavam suas negras vendê-los na rua das Casinhas. Como Zazaia encontram-se diversas negras forras morando no norte da Sé e lavando roupa para fora como forma de sobrevivência. Baseada na vasta documentação de casos similares apresentada na tese da Dra. Bella Hersson, "Cristão-novos e seus descendentes na medicina brasileira", foi engendrado doutor Coelho, médico que estudou em Montpellier e que, além de exercer a medicina, tomava conta das terras conquistadas pelos seus ascendentes, judeus que se converteram para escapar da Inquisição.

Contando com estas e outras personagens, espero que a SAGA DE SOFIA mostre que, mesmo na época atribuindo-se bem pouca importância às funções sociais da mulher, um levantamento cuidadoso permite revelar fatos interessantes da vida de nossas antepassadas. Espero também que as ações dos personagens em geral sirva para que se compreenda melhor a época, ou chegue até a identificar as causas do que aconteceu depois, ou seja, a transformação de um pouso de tropas numa grande metrópole.

Embora muito me venha entretendo, o trabalho a que me proponho não é o irresponsável divertimento de alguém que se distrai falseando e complicando crônicas de uma época, mas alguém que, consciente dos acontecimentos provocados pelos deuses, tenta contar de uma maneira amena uma fase da história da cidade de São Paulo, ao mesmo tempo em que tenta vencer a barreira entre literatura de proposta e de entretenimento, buscando um vasto público e povoando seus sonhos.

Sobre o Autor

Vera Carvalho Assumpção: A autora, premiada, entre outros, no Concurso de Contos Guimarães Rosa, promovido pela Rádio France Internacional, em Paris, foi diretora da UBE (União Brasileira de Escritores) e do PEN CLUB São Paulo . Uma das primeiras escritoras a publicar em formato digital (eBook),

Últimos livros publicados: Paisagens Noturnas (Editora Landscape) e Viagem Virtual (Larousse)

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