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Diário de Bordo de uma escritora brasileira em Cuba

por Nilza Amaral *
publicado em 12/03/2008.

Cuba - Ilha Enigma.

Chegamos.Um grupo de quarenta escritores de várias nacionalidades, numa simbiose de idéias e pensamentos, desce do avião no aeroporto de Havana. O que movimenta esse grupo, além da identidade de pensamento? A expectativa de se deparar com um país desconhecido geográfica e ideologicamente? A expectativa de ver sonhos despertados por uma realidade diferente daquela construída no imaginário de cada um de nós, operários da imaginação? A finalidade fundamental da viagem é o lançamento de livros na 17ª.Feria de Libros de La Habana.O convite parte com aval do Ministério da Cultura do Uruguai

Porém, meu objetivo é conhecer essa ilha fascinante, observar esse povo forte, descobrir o encanto do verdadeiro Fidel. Esquecer tudo o que já foi dito e formar a minha própria concepção do homem líder. Jamais poderei falar de Cuba, sem lembrar a revolução, embora pressinta que não terei outra alternativa.

É madrugada.Descemos do ônibus Transtur em frente ao hotel Triton na bairro de Miramar onde ficam vários hotéis que tiveram seu auge na década de 70. Seu conforto relativo decepciona à primeira vista alguns poucos integrantes da delegação. Mas todos se lembram de onde estão: num país circular castigado pelo boicote comercial americano, para participar de atividades culturais. Depois de algumas divergências motivadas pelo individualismo, adquirido talvez inconscientemente no sistema do capitalismo selvagem por convidados acompanhantes, não pertencentes ao Movimento de Solidariedade que é o Movimento Abrace, tudo se acomoda e nos retiramos em duplas para os aposentos designados. Abro a janela de meu apartamento num 16º. andar. E deparo com os primeiros clarões da manhã iluminando o maravilhoso mar azul que acoberta a terra.É a primeira visão.

Dia seguinte já não nos sentimos estrangeiros. Trabalhamos com idéias, e, essas não têm fronteiras.

Descemos para o café da manhã e descobrimos o que comem os da terra. A comida é farta, os funcionários do hotel são amáveis, e nos alimentamos para o trabalho diário nessa semana que nos promete surpresas literárias e a maior de todas: registraremos durante a nossa estada um grande acontecimento político: o afastamento voluntário de Fidel, a posse de Raul Castro. Após quarenta e nove anos no comando Fidel Castro Ruz, aos 81 declara que não mais disputará os cargos do Conselho.

Penso no país dividido entre dois irmãos, no ciúme atávico, os Caims e Abels de nossos tempos. Lembro de espisódios, como filmes que passam pela memória, de cubanos, os balseiros, fugindo de uma Cuba que não conseguiu ser perfeita. E dos que emigraram, de outra classe social, jovens diferenciados culturalmente, para nunca mais voltar. Abandonar o país que se ama, será talvez como abandonar o amor de nossa vida? Deixar a casa paterna? Partir sem o coração? Abandonar as nossas origens, largar identidades, é escolha corajosa. Reflexões impertinentes, porém, persistentes.

Conhecemos Habana Vieja.Ouço o espanhol, esse idioma doce e forte.

El Florista, meu romance traduzido que será lançado na feira de livros, me dá orgulho, me emociona, está escrito no tom quente dessa língua de um povo tão intenso. Para os românticos como eu, a cidade transpira saudade. Não do tempo de Fulgêncio Batista, mas da identidade da cidade, do idealismo de Che Guevara e Fidel Castro desafiando o mundo em Sierra Maestra. Sou escritora, construo o mundo à minha maneira. Busco indícios da permanência da posteridade. Encontro. Nos símbolos da revolução de Fidel espalhados pela cidade, tatuado nos prédios sgnificativos. Nos ícones que preenchem o cotidiano dos cubanos. Dialogo com o povo. Havana colonial e moderna,declarada pela UNESCO como patrimônio histórico: Centro Histórico, Praça da Catedral,Praça da Revolução, a cidade que os turistas visitam.

A cidade que eu vejo. Cubanos. Recebem salários baixos, trabalham para o Estado, não me dizem que gostariam de uma vida com mais regalias, mas dizem ter inveja de nossa liberdade, esquecendo-se de que toda liberdade tem seu preço, do nosso ir e vir, da nossa independência, porém, amam seu Jefe e se com ele tem que ser assim, assim será. Há os que se vão e não voltam.Hás os que permanecem em suas casas esperando a libertaçào da ilha dos algozes que a aprisionam no círculo fechado da ausência de relações com o mundo exterior. Vejo os neorevolucionários, jovens cubanos, me impressionam as bandeiras negras com estrela branca tremulando ao vento na Avenida que se alonga ao lado do mar.

Encontros na Casa da Poesia, entregas de prêmios Abrace. Ao poeta cubano Felix Contrera. Descontração. Música. Danço com artistas cubanos, artistas plásticos, poetas.Confraternizamos com a salsa.

Segunda Feira: Feira de Livros, XVII Feria Internacional Del Livro na Fortaleza de San Carlos de La Cabaña, del 13 al 24 de febrero de 2008.

Visitamos nosso espaço orgulhamo-nos de nossos livros nas prateleiras.Serão lidos por cubanos e pelos estrangeiros do mundo que visitam a Feira.Cumprem o seu papel, não mais nos pertencem.O povo comparece em massa.Crianças pequenas portam sacolas de estórias, adultos interessam-se pela cultura de maneira impressionante. Há encontros culturais e troca de idéias em várias salas. Interesso-me pela sala Alejo Carpentier, e ouço os escritores cubanos premiados. Na sala Nicolás Guillén, Rolando Rodriguez Garcia recebe o Prêmio Nacional de Ciencias Sociales 2007. Emociono-me com versos de Jesus Candelaria, poeta de Cienfuegos: "estar solo es ser um mar/ sin calmas e sin orillas/la soledad tiene millas/que nadie puede cruzar/viver es ser um testigo/de no ser arbol y ser/también um arbol./ tener corazón és um castigo." Impressiona-me o lema:Libros em lugar de Bombas.

Somos recebidos na sala Tribu de La Palabra pelo representante cubano, nos apresentamos, falamos de nossos livros, do nosso movimento de solidariedade entre criadores, sob a mediação de Roberto Bianchi editor da Abrace, e de Nina Reis, sua companheira, representante do movimento em Brasília, realizamos as palestras programadas, recebemos caloroso afeto de bienvenidos. Deixamos a Feira à noite, ao ribombar do El Cañonazo.

Terça feira - Visita a UNEAC - União de artistas e escritores de Cuba, Centro Dulce Maria, troca de idéias e Café Literário à noite. Casa de Las Américas, prêmio brasileiro de literatura 2007, Boaventura de Souza Santos, categoria ensaio: La Universidad del siglo XXI. Exposição de Cuevas, leituras em escolas e hospitais. União Latina: falo sobre literatura a um grupo de jovens que estudam português, perguntam sobre o meu país, conto da riqueza continental e da pobreza existente, da dimensão de nosso mundo e da dificuldade da cultura que esbarra na falta de incentivo dos meios governamentais, da carência de nosso povo na área de saúde e educação, do anafalbetismo. Em que país do mundo não existem problemas? Em até que ponto não são causados pelo própro homem?

Porém, tenho que exaltar a beleza e o poder das palavras, das portas abertas pela imaginação e da liberdade que o verbo nos dá. Outros companheiros dão seus depoimentos, emitem suas opiniões, trocamos as dificuldades recíprocas. Somos o ardente povo latino. Nosso coração pulsa diferente.

À noite vamos a Casa de La musica. Ouvimos salsa e boleros na voz quente dos interprétes. O tempo passa rápido, a noite avança nessa cidade de calor tropical, de povo amável e música contagiante. Lembra-me o Brasil, lembra o nosso samba, e as garotas e garotos, jovens sensuais que se exibem, lembram a sensualidade que só existe em país de sol a pino e noites luminosas. De madrugada nos retiramos e ainda tenho em meu corpo o gosto da salsa.

4ª.feira - Estamos em Trinidad, Ciudad Monumento de Trinidad, a maior cidade colonial da ilha, que me lembra Paraty.Estudamos a história dos primeiros moradores no Museu da cidade, Palacio Cantero. O que me chama a atenção? Mais uma vez o congelamento da vida no passado histórico.É bom, é ruim? É a história de Cuba, a reminiscência do passado que fala pelo povo.Vivem da história? Vivem da memória.Na rua garotas nos pedem esmalte e batom. Comemos deliciosos alfajores, admiramos a Plaza Mayor, ouvimos e falamos versos, cantamos loas, vibramos. Na casa de artesanato os artesão trabalham distraídos mostrando o que sabem fazer aos que lá estão. Há algumas esculturas fálicas interessantes, pergunto ao cubano quem foi o modelo e ele se revela como tal num sorriso tímido-malicioso. Saúde, finjo que acredito, brindo-o com ron cor de mel, oferta da casa, e ele me agradece, sorrindo a fileira de dentes brancos. Almoçamos na Praça de Santa Ana, como pescado, carnes não me atraem.

5ª.feira: De Trinidad a Guamá. Vila indigena, construida pelos habitantes do lugar. Estilo surrealista, esculturas de material reciclado, uma obra de arte bizarra. Ouvimos música típica, e Glória, peruana de nosso grupo apresenta performance usando a linguagem indígena de seu país. Edmundo, médico e escritor boliviano discursa sobre Morales, elogia seu governo e apresenta sua literatura.Trocamos livros e cedês. É noite. Deixamos as estrelas daquele céu e partimos. Refletimos. Levamos conosco as imagens de um Dali construídas pelo cubano Gutierrez.

Sexta Feira: viagem a Cienfuegos, nome em homenagem a um dos revolucionários de Fidel, bela cidade de arcos romanos na praça, onde conhecemos um casal de brasileiros, ela baiana, ele índio do Espírito Santo, bolsistas do governo cubano, em medicina. Dizem que deverão permanecer em Cuba um ano depois de formados prestando serviços voluntários. Ambos elogiam a política de Fidel e agradecem a oportunidade. Tomamos café, testemunhamos o racionamento de água, ouvimos os cubanos da cidade, crianças de dez anos falando como gente grande, e respondemos perguntas sobre as atrizes de novelas brasileiras que eles assistem pela televisão. Sinto-me uma turista invasora e não gosto da sensação, recoloco-me na minha posição de observadora.

Sábado: Saída para El Giron, cidade de praia. Dia livre, e aproveito as delícias do mar do Caribe, verde como ele só. Experimento o serviço médico do hotel por causa de um pequeno malestar. Admiro o profissionalismo do atendimento pronto do plantão no hotel. Uma delicada médica me atende, e antes de terminar seu trabalho, à noite, leva até meu quarto um delicioso prato de frutas tropicais e um copo de leite. Sem ônus nenhum de minha parte.

Domingo: Varadero. Hotel Costazur, a um quarteirão da praia.A cidade está lotada de casais de meia idade que fogem do frio e aproveitam o calor e a beleza do lugar.Conversamos com guias turísticos, com turistas que dizem que Varadero é diferente de tudo o que há em Cuba. Fazemos eu e uma amiga um tour por nossa conta em Varadero Beach.Vamos de ônibus até os hotéis de luxo e apreciamos a beleza do mar, a grandiosidade das construções que ficam a dezesseis quilométros da cidade. Investimentos estrangeiros, que deixam lucros para Cuba. Voltamos já bem tarde, dessa vez no ônibus vazio, pois os turistas vão descendo em seus respectivos hotéis e aproveitamos para conversarmos com a guia e o motorista sobre o meu país, sobre o seu país. Dia seguinte, retorno. Não antes de um mergulho nas águas de Varadero e seu mar de listras que vão do azul claro ao azul marinho até o encontro com o horizonte.

Que impressões me ficaram de Cuba? Eu que sempre posterguei a viagem com medo de me decepcionar, de comparar regimes politicos e ceder a falsas opiniões?
Revejo leituras de políticos cubanos e estrangeiros, vejo Maurício Font declarar em entrevista que os reformistas estão de plantão, revejo um documentário de Oliver Stone de 2003. Impressiona-me a inteligência de Fidel, a beleza de Che, sou uma revolucionária das idéias, minha imaginação me leva a rumos indesejáveis e muitas vezes a caminhos sem retorno, e, à conclusão de que liberdade é o meu alimento primordial. Há imitadores de Fidel, há seguidores de Fidel, mas sempre haverá o Fidel único.Com seus defeitos e qualidades.E Cuba, sem decepção. Permanecerá em meu coração, como um romance inacabado, com a dificuldade que todo escritor tem de finalizar uma história, com a tristeza de escrever a última página. Portanto, será uma obra inacabada. O tempo fechará a trama. O futuro será a personagem principal. E depois, talvez, o retorno, para gravar a última palavra.

Termino com o poema de um dos companheiros de viagem, Edmundo Torrejon Jurado. Fala da tristeza do abandono da Pátria.

EXILIO

Exilio,
árbol de otoño,
con savia
··· que nos es su savia.

Miel ajena,
··· cruel rocío
de un alfalfar sin su polen.

Cuna ajena,
acre arrullo -
de orfeones
··· sin sus arpegios.

Exilio,
un estandarte
··· mutilado en sus estirpes.

Pirámide,
Fe transplantada
hacia ajenas oraciones.

Exilio,
Viento,
borrasca
de arenas que no son su playa.

Bergantín
··· a la deriva
sin bitácora y sin ancla.

Exilio,
atroz granero,
¡semilla que no es simiente!

Errar,
de luz
sin su calle,
de niebla
··· sin su avenida.

¿Dónde
··· el desierto erige
un pedestal
··· al mañana?

¿Podrán
··· lacerar
tradiciones?

¿Podrán
··· mutilar
······ las costumbres?

¿Podrán condenar
··· ancestros
al olvido de los yelmos?

Exilio,
¡Patria sin Patria!

Exilio,
¡Madre sin vientre!

EDMUNDO TORREJON JURADO
Copenhague, otoño de 1996

Sobre o Autor

Nilza Amaral: Nilza Amaral nasceu em Piracicaba, e morou em várias cidades do interior São Paulo de até vir para a capital em 1957 onde terminou seus estudos superiores. Começou a escrever aos 48 anos quando pode dedicar-se plenamente à essa atividade depois de ter se aposentado como professora de Línguas e Literaturas. Autora de vários livros

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