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A construção do gênero no ocidente

por Fernanda Massebeuf *
publicado em 12/12/2007.

Aristóteles elaborou um modelo filosófico argumentado e refletido sobre a geração e a determinação do sexo a partir do livro IV da obra De la génération des animaux. Trabalhos de alguns pensadores queo precederam serviram como ponto de partida para suas reflexões. Anaxágora acreditava que a determinação do sexo era proveniente do pai, sendo que o testículo direito determinava o sexo masculino e o esquerdo o feminino. Empédocle dizia que o nível de calor da matriz era determinante para o nascimento de uma menina ou de um menino, resultado da maior intensidade de calor. A sociedade ocidental atual continua funcionando a partir de dicotomias entre mulher/ homem, feminino/masculino (1), onde o feminino evoca o frio, o baixo, o negativo e o masculino evoca o quente, o alto, o positivo. Binarismos estes que foram herdados da antiguidade greco-latina, da qual Aristóteles faz parte. Esse sistema provoca a hierarquia do masculino em relação ao feminino, gerando desequilíbrio.(2). Então, essa hierarquia deve ser banida para que o equilíbrio entre os dois sexos seja estabelecido e as diferenças entre eles sejam respeitadas.

Aristóteles defendeu, acima da diferença entre o calor e o frio, que o esperma não é responsável pela matéria fetal porque representa o pneuma, o sopro de vida e potência.

Desse modo o macho é o responsável pela transformação do sangue em esperma. Esse fato é possibilitado pela intensidade de calor. À fêmea é reservado somente o papel de receptáculo, por ser bem mais fria que o macho e por perder parte de seu sangue mensalmente. Conclui-se então que a diferença entre o frio e o quente é determinante e justifica diferença anatômica dos órgãos.

A mulher até pouco tempo era vista como um ser ligado somente a sua função reprodutora, e as fases de sua vida, como puberdade, gravidez e menopausa podiam ser desencadeantes de desequilíbrios emocionais. Dessa forma, durante toda sua vida , a mulher seria um ser propício a perturbações mentais causadas por essas fases, sendo sobretudo a menstruação um mal que supostamente atingiria o psiquismo feminino. A loucura também seria considerada causa da desobediência e servialidade ao marido. A mulher supostamente normal éaquela com instintos maternais aguçados e totalmente deserotizada. Então, a sexualidade que lhe é permitida é aquela concebida como saudável, higiênica, realizada no casamento com fins reprodutivos. Em oposição, apresenta-se outra, danosa, ilícita e perigosa para a saúde, quer física ou mental. Nesse sentido, a mulher normal é a esposa e mãe,voltada inteiramente para as funções reprodutoras, opondo-se a ela estáa prostituta, aquela louca moral que desfruta dos prazeres do corpo sem moderação. Essa visão sexista, ainda binária e extremamente redutora da mulher é exemplo de mais um dos clichês aos quais ela está sujeita caso não queira seguir as normas de conduta social que lhe são impostas ainda no século XXI.

Alteração do princípio gerador do macho

Quando o princípio gerador do macho mostra-se impotente temos como resultado a geração de meninas. Verificamos o aumento do nascimento de meninas no caso de pais muito jovens ou com a idade mais avançada. Em contrapartida, quando o vento sopra ao norte percebemos maior nascimento de meninos. A menstruação das mulheres acontece nos momentos mais frios e húmidos, coincidindo com a lua minguante. Condições atmosféricas, natureza dos alimentos e da água também intervêem na geração de meninas, ou seja, no desvio do princípio gerador do macho.

Aristóteles distinguia três elementos componentes da potência masculina do esperma que podem alterar-se em seu contrário:

A potência genérica masculina, que define o sexo do bebê, quando dominada gera meninas;

A potência individual, que define a aprência do bebê, quando dominada faz com que o menino gerado pareça-se com sua mãe, e não com o pai;

As potências genérica e individualdominadas fazem com que a menina gerada pareça-se com sua mãe.

A aparência da forma humana

Os movimentos determinadores da formação do embrião podem ser acentuados ou lentos, explicando o grau da aparência das crianças em relação a seus pais, ou mesmo a parentes mais distantes.

O modelo perfeito é definido a partir da dominação das potências genérica e individual com movimentos acentuados. Ele gera menino perfeitamente parecido com o pai, podendo parecer-se com o avô paterno no caso de movimentos lentos.

O modelo imperfeito é definido a partir da queda das potências genérica e individual com movimentos acentuados. Ele gera menina perfeitamente parecida com a mãe, podendo parecer-se com a avó materna em caso de movimentação lenta na formação do embrião.

Há dois casos intermediários. Um deles é especificado pela queda da potência genérica masculina e dominação da individual. Nesse caso vai ser gerada uma menina parecida com o pai, podendo parecer-se com o avôpaterno no caso de movimentos lentos.

Quando a potência genérica domina e a individual é dominada, a criança será um menino parecido com sua mãe, podendo parecer-se com a avó materna, em caso de lentidão da movimentação formadora do embrião.

E às vezes nascem monstros, seres que possuem aparência animal ao invés de humana.

Françoise Héritier fala da valência diferencial dos sexos a partir da diferença dos corpos feminino e masculino e dos diferentes papéis dos sexos masculino e feminino na reprodução, o que exprime uma relação conceitual orientada hierárquica entre feminino e masculino a fim de que este último possa exercer seu poder, sobretudo no que se refere à procriação. Ela é imposta para que o social seja construído e as regras que permitem seu bom funcionamento.

A matéria animal da feminidade

Quando os movimentos formadores do embrião são lentos e a matéria não é dominada é gerado um animal. O movimento é o que vem do homem e caracteriza as potências genérica e individual e a matéria é o que vem da feminidade. Então a primeira etapa da formação da anormalidade, da monstruosidade acontece quando uma fêmea é concebida. Esse monstro híbrido poderia ser considerado clonagem do feminino e derrota da potência masculina. É o despertar das forças brutas e animais da matéria.

A monstruosidade, excesso de feminino

Segundo Aristóteles, atribuímos o nascimento de um monstro à matéria fornecida pela fêmea. Sabendo que a concepção é resultado de uma única copulação, ele afirmava que se o excesso de frio na matéria feminina produz a monstruosidade, o excesso de calor, provocado pela produção excessiva de espermatozóides, faz com que o esperma se autoconsuma. Daí dizer qua a matéria materna é a responsável pela multiparidade, resultado do excesso de feminidade, assim como a monstruosidade. Platão também dizia qua a mulher é um monstro porque está ao lado da natureza devido a sua sensibilidade, doçura e fragilidade e que em contrapartida, o homem estaria do lado da cultura devido ao seu poder , intelecto e cultura.

A partir de uma ótica masculina o nascimento de meninas, a multiparidade, a monstruosidade representam uma ordem crescente de anomalias ligadas à dominação da natureza, da matéria, que é feminina. O termo monstro estárelacionado com crenças populares, muitas vezes quando os bebês não eram correspondentes à natureza do gênero que lhes havia sido determinado. Tite-Live dizia que os povos antigos tinham horror de hermafroditas, ao ponto de os jogarem ao mar. O estranho não era aceito porque representava a inversão da ordem natural das coisas e a das gerações. Infelizmente ainda hoje o diferente ébastante marginalizado em prol daquele que obedece as regras sociais e morais impostas pela sociedade ocidental.

A natureza, segundo Aristóteles, a Terra e os deuses produziriam monstros como objetos da natureza, nascidos de suas próprias vontades.

Entretanto, a determinação do sexo social não estaria obrigatoriamente calcada na determinação do sexo biológico. Podemos exemplificar esse fato através do que vivem certas sociedades da Nova Guiné. Nesses locais os rapazes são desprovidos da capacidade endógina que lhes permite atingir a masculinidade. O órgão genital masculino é vazio desde o nascimento deles. Então deve ser preenchido. Casamentos com sobrinhas ou irmãs do mesmo clã são arranjados com o intuito de se guardar o sêmen.Observando-se casos patológicos, alguns homens recusam a se relacionar intimamente com mulheres e a procriar. Desde o sétimo ano de vida o menino deverá ser inseminado regularmente através da felação e pelos mais velhos. Quando se casam devem passar exclusivamente à heterossexualidade. Enquanto a feminidade é considerada completa e naturalmente nata, a masculinidade deve ser construída. O sêmen é necessário para a ativação do sangue feminino e para a procriação. Uma regularidade das relações íntimas é necessária para esse fim, inclusive se tratando de uma mulher grávida para se produzir o sexo da criança que vai nascer. Diferenciamos um homem de um macho, que só é considerado completo quando sua reserva seminal está preenchida. Ele deve estar preenchido para poder preencher os outros. A homossexualidade étotalmente banida enquanto estilo de vida.

Os Eskimós acreditam que as crianças que vêem ao mundo possuem um sexo não considerado como real. O sexo real é o do ancestral, cuja alma penetra a mulher ainda grávida e se instala em seu ventre para renascer e determinar o verdadeiro sexo da criança. Os pequeninos serão educados, vestidos de acordo e participarão de atividades relacionadas ao seu verdadeiro sexo, transmitido pelo ancestral. Assim sua personalidade é reajustada a essa nova realidade. Essa identidade transmitida permanece durante toda sua vida.

Na sociedade ocidental também há uma construção do gênero, o que percebemos através das cores rosa ou azul relacionadas com o sexo biológico da criança. Vivemos numa sociedade patriarcal, machista e misógina, onde o poder está do lado do masculino. O pior é que mesmo as mulheres transmitem, muitas vezes inconscientemente, esses preceitos às suas crianças, pois já estão profundamente arraigados na educação que receberam de suas mães. Esses exemplos servem para ilustrar a dicotomia do feminino/masculino existente em todas as sociedades.

Ordem simbólica e ordem natural

A partir de uma perspectiva masculina, o gênero, o sexo e sua determinação, a adaptação do indivíduo não relevam somente a ordem natural. Construídos e recriados, relevam uma ordem simbólica, uma ideologia. Assim Aristóteles dizia que tudo é definido a partir da oposição entre quente e frio, seco e húmido, ativo e passivo, potência e matéria que contam respectivamente o masculino e o feminino. Esse modelo aristotélico prevalece nos atuais discursos, sobretudo científicos. Atualmente ainda ignoramos em que consiste a potência fecundante do esperma e acreditamos que o gameta feminino esteja totalmente inerte e dependente da potente aptidão do gameta masculino, que assume a função de ativação natural do gameta feminino, o que garante a fecundação. O vocabulário aristotélico ainda é o empregado por autores contemporâneos. Conceitos mal definidos evocadores da natureza e da crendice popular confirmam que a célula feminina, matéria inerte e inapta deve ser ativada, a fim de não perir, por uma célula masculina dotada de virtude seminal e potência vitalizante, cuja natureza é desconhecida.

No âmbito feminino e em termos de evolução, evolução da maneira de ser apreendida pela sociedade, poderíamos dizer que até nossa época constatamos um progresso lento no que diz respeito à ginecologia relacionando-a às outras especialidades médicas, o que reflete o status reservado às mulheres, ainda hoje, de seres secundários e inferiores. Ginecologia literalmente quer dizer estudo da mulher, do funcionamento de seu aparelho genital. Esse ramo da medicina contribuiu para a transformação do olhar da sociedade em relação ao corpo da mulher,mas também alimentou certas crendices no passado, como por exemplo dizer que o útero era um órgão dotado de poderes malévolos. O corpo das mulheres representava um perigo a elas mesmas, e infelizmente ainda representa a muitas delas. A ginecologia só obteve um certo élan a partir de meados do século XX, graças as reivindicações femininas, mas assuntos como parto, aborto, crianças e principalmente contracepção permanecem tabus. Inclusive a menopausa é interpretada como perda de status social da mulher causada pelo término de sua fecundidade, o que justificaria a intervenção médica. Especialidade médica onde não só o corpo da mulher como também o feminino estão em voga, reflete o quanto a feminilidade ainda é frágil apesar de todas as conquistas das mulheres em outros setores.

A proposta da feminista Hélène Cixous em relação à sociedade ocidental parece coerente na medida em que os binarismos devem ser desconstruídos. Não devemos criar oposições, e sim destruí-las e falar de diferenças. Idéias de respeito mútuo sem hierarquia.

1. Françoise HERITIER, Masculin/Féminin. La pensée de la différence, Paris, Odile Jacob, 1996.
2. Françoise HERITIER, Masculin/Féminin II. Dissoudre la hiérarchie, Paris, Odile Jacob, 2002.

Sobre o Autor

Fernanda Massebeuf: Fernanda Massebeuf é graduada em LLCE (Língua, Literatura e Civilização Estrangeira) pela Universidade Sorbonne - Paris IV. Realiza atualmente um Master (Mestrado) a fim de se especializar em literatura brasileira, desenvolvendo estudo sobre a poesia de Hilda Hilst.

Email: ferdie45@hotmail.com

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