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A distinção inglesa

por T.M. Castro *
publicado em 02/10/2007.

Todos nós, crianças, jovens, adultos felizes e velhos, vez por outra, entramos em certos delírios que lembram a fase otimista dos ciclotímicos. Alguns se imaginam o amicíssimo intimíssimo do Potter, outros, ganhadoresdaquela medalha de ouro que não coube ao Brasil, outros, o novo, ou nova, proprietário de uma das unidades daquele edifício padrão solteiro - moderno, recém-lançado na orla. Não nego que também dou minhas viajadas pelo imaginário e, dada à carga horária que já dediquei a delírios, os meus estão mais refinados ou seletivos, pois os delírios não podem ter como objeto a conduta alcançável, o comum do dia a dia.

Os hotéis ingleses são um convite a tais passeios oníricos. Sempre protegidos de indiscretos e vulgares olhos por imensas portas de carvalho, algumas rotativas, nesses vitorianos palácios, com sua mobília em mogno ou jacarandáoriundos de colônias oficiais ou oficiosas, integram-se o madeiro do piso aos emadeirados detalhes dos tetos por antigose sedosos persas, sobre os quais desfilam em ritmados compassos a criadagem oriental, com seus turbantes e largas túnicas, e os serviçais ingleses com seus casacos pretos e calças riscas de giz, cujos solenes movimentosquer quando simplesmente andam, quer quando parados a ouvir um hóspede, mais parecem integrar o cortejo da rainha do que o plantel da criadagem hospital. Assim no Metropolitan, no Hudson, no Dorcet, no Sloan, no Brown´s, no Moorland, no Bertram, onde até o crime tem o invólucro do posh, do elegant, e em dezenas de outros, yes, sir, please, sir, no , sir.

Elegantes escrivanias guarnecidas de discretos e eficientes quebra-luzes são um convite a civilizados afazeres, quais o da leitura ou o de por em dia a correspondência, para o que sempre há sobre as mesinhas envelopes, papel de linho e tinteiro... Ah, não existem hotéis, senão os antigos ingleses!

Agora, sentado à sacada de moderno hotel a beira-mar, em Fortaleza, recordo de certo sonho que vivi anos atrás, nesta mesma cidade. Por conta dos fados ou das gorjetas que lhe proporcionavam a gerência do hotel, como sói acontecer, fui conduzido por sério e avermelhado cidadão ao Hotel Excelsior, no centro dessa cidade. O porte do motorista, alto, espadaúdo, camisa branca e gravata azul, seu carro preto... A brisa de setembro escamoteava a canícula,o que dava à tarde um aspecto nada tropical. E, de repente, o aspecto físico do chauffeur , sua indumentária, a cor do táxi... Estava eu em Londres, rumo a um hotel.
.
O hotel não se fez de rogado. Imponente, alto, sobressaía-se aos prédios próximos, destinados ao comércio regular. Amplos salões eram alcatifados por velhos tapetes iranianos dentre os quais sobressaía um elegantíssimoNaim nas cores tradicionais desta tecelagem, marfim e azul.
Em outros salões, esparramavam-se imensos outros nos tradicionais tons rubros que esmaeciam em ramagens e motivos similares que pareciam lutar por espaços nos festivos e solenes campos de lã, algodão e veludo. O uso sugeria pretéritospassos sobre tão refinadas peças, quiçá passos de ministros, príncipes, nobres de todas as hierarquias e lacaios elegantes das antigas colônias, Índia, Paquistão, Egito. Em minha viagem eu chegava a ouvir solenes e que imperceptíveis Yes, sir, Of course, sir, Please, sir.

Reclinei-me na exuberante poltrona de couro e passei a observar o imponente balcão com tampo de puro carrara, na recepção; mais além, belíssimos aparadores a Dom José Ie me detive em finos checos que balançavam levemente tangidos pelos ventos equatoriais, aqui e ali um tilintar de uma conta contra a outra, e que belas as tulipas de bacarat, encastoando lâmpadas de que fluíam suave luminosidade, dando recato e distinção ao ambiente!

Era impossível ao observador não estabelecer comparação entre ali e os modernos hotéis que assolam as cidades. Espigões de formas monotonamente geométricas, não se situam em nenhum estilo arquitetônico: são mui berrantes em linhas para serem neoclássicos; são frios e se deslizam em granitos a não permitir o mais leve toque romântico. Seus móveis, brilhosos caixotes em madeiras claras, exuberam em preço, robustez e mau gosto. Neles é impossível criar-se um ambiente belle époque, um outro com motivos barrocos, algo que fuja ao pronto pra viagem, algo bem apropriado,como se pudessem ser usados, dispensados, substituídos, retornados - tudo serve para tal mobiliário, para tão insípidos ambientes.

Tirei leve cochilo enquanto decorria a tramitação do registro de hospedagem. A seu tempo, fui brandamente despertado por um serviçal, que, pelo uso da casaca, demonstrava ser do escalão mais subalterno.
- Vou conduzi-lo aos aposentos, como devo chamá-lo...? - indagou-me gentilmente.
Ainda meio entorpecido e levado pelo delírio a que me entregara graças ao ambiente, não me contive e disse: - Sir. Pronuncia-se como se fosse sar.

No amplo quarto, com mobília distintíssima, cômodas do colonial brasileiro, mesas e cadeiras ao vitoriano inglês, ainda que cópias em mogno, e toda uma guarnição de refinados detalhes, sentei-me em uma ampla cadeira e me entregueia devaneios: que bom esquecer um pouco minha gritante mestiçagem, dar-me de presente uma suave vigilância servil branca, ou legítima oriental, e ser abordado por Sir ! Ora, isso tudo a preços bem acessíveis da hotelaria brasileira, pois fora mesmo em Londres, talvez fossem proibitivos a meus padrões.... E delirei, e delirei...

Entreguei-me a ocupações que motivaram a viagem, no dia seguinte. Ao cabo do terceiro dia, dei-me o presente de ter refeições cômodas no hotel e circular pelas redondezas. Qual não foi meu espanto, ainda bem que os delírios jáse dissipavam, ao constatar que a criadagem (dada a circunstância que segue, funcionários seria melhor termo) me chamava de Seu Sá. Ri da ironia e fiz as malas para a volta.

Ficou sempre o saldo positivo de um exercício de imaginação, de ter realmente experimentado uma refinada hospedagem, e a lição para mim e meus colegas de onirismo: para não maltratar o paciente, melhor é que os delírios sejam instantâneos, rápidos e que logo voem.
É bom ser rápido, em sonhos.

Fortaleza, setembro, 2007

Sobre o Autor

T.M. Castro: Temístocles Mendonça de Castro – é formado em Direito, lecionou em Faculdades, foi Promotor do Júri, Procurador de Justiça, Procurador do Cidadão, e hoje está aposentado. Vive entre Alexânia, GO, e Brasília, DF. Um texto seu já foi publicado no site messageinabotou, de Brasília.

Contato com o autor por email: temisbsb@terra.com.br

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