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O que eu gostaria de ter dito aos alunos da Escola Conselheiro Mafra, na Velha Grande

por Urda Alice Klueger *
publicado em 28/06/2007.

Oi, crianças! Estive aí na sua escola, mas vocês não estavam. Fui até aí pensando que a gente conversaria, que haveria uma festa de crianças – mas havia uma festa de gente grande. Foi uma pena não tê-los conhecido, e então é por isto que agora lhes escrevo, dizendo o que gostaria de ter-lhes dito se vocês estivessem na escola no sábado. Vamos lá:

Eu queria dizer para vocês que um dia, quando eu era criança, morava num lugar muito parecido com o Vale onde moram, só que era um Vale no Bairro Garcia, também aqui em Blumenau. Sei muito bem como é morar assim entre morros, com o ribeirão serpeando lá no fundo do Vale, perto da estrada – sei a umidade que existe, a friagem que dá nos pés da gente quando o sol se põe, o tanto de tempo que leva para a roupa secar nos dias de inverno... Foi bem num lugar assim que vivi a maior parte da minha infância.

Existem duas diferenças entre os dias em que fui criança e os dias em que vocês estão sendo crianças. Uma, é que naquele tempo havia menos gente, e então havia mais espaço, e as pessoas podiam ter quintais onde plantavam aipim, hortaliças, criavam galinhas – e como as mães daquele tempo não trabalhavam fora, produziam, elas mesmas, muito do alimento nosso de cada dia, nos terrenos que então eram bem amplos.

A outra diferença é que, no Vale onde me criei, já nascíamos com emprego garantido: aos 14 anos, cada criança tinha seu lugar certo nas fábricas, e dificilmente alguém deixava de cumprir o seu destino de trabalhar em alguma das que ficavam próximas, até se aposentar. Sei que hoje a vida está mais complicada, que muitos de vocês terão dificuldades de achar emprego quando chegar a hora – e então é sobre tais coisas que queria falar com vocês.

Apesar de eu ter nascido num lugar onde cada criança crescia para trabalhar numa fábrica, nem eu nem minhas irmãs nunca fomos para nenhuma fábrica – e aqui quero deixar bem claro que nada há de desonroso trabalhar-se numa fábrica – mas também quero lhes contar que há outras formas de viver que podem ser melhores ou piores do que tal trabalho. Eu e minhas irmãs tivemos a sorte de termos conseguido viver vidas melhores, mais interessantes e gratificantes do que os nossos amiguinhos de escola que foram para a fábrica, e então eu pergunto a vocês: o que nos diferenciou deles para que nossas vidas fossem diferentes? Para mim a resposta é muito clara: a diferença está na escola, nos livros, na biblioteca da escola ou outras que a gente possa acessar, oportunidades que nem todas as crianças têm por igual.

Na minha escola havia uma boa e sortida biblioteca, que eu li avidamente antes dos 12 anos, para depois me associar à Biblioteca Pública Municipal Dr. Fritz Mueller. Era fácil, onde eu morava, ir até a Biblioteca Pública: era perto, podia-se ir de bicicleta, e o trânsito daquele tempo era muitíssimo menos perigoso. Aqui na Velha Grande está-se muito longe da Biblioteca Pública, e vocês sabem o quanto o trânsito de hoje é perigoso para se ficar andando de bicicleta por aí. Assim, não vejo como vocês poderão freqüentar uma biblioteca, neste bairro, se não houver uma na escola, e quando vocês se acostumarem a mergulhar no encanto dos grandes mistérios dos livros, encanto que dificilmente é igualado por um filme ou outra forma de expressão, vocês verão que a vida de vocês passará por mudanças que ainda não podem aquilatar, mudanças que poderão mudar todo o seu destino.

Faz cerca de uma década que a escola de vocês inaugurou uma biblioteca que, para minha surpresa e prazer, levou o meu nome. Estive na sua escola naquela ocasião, e falei para as crianças daquele tempo o que estou lhes falando agora. Era muito grande o meu prazer em saber a coisa maravilhosa que estava acontecendo, que decerto iria mudar a vida de tantas pessoas da sua comunidade. Por diversos motivos, no entanto, a vida daquela biblioteca foi efêmera – calculo que por uns oito anos ela se manteve fechada, inacessível para as crianças da Velha Grande, e tal me corta o coração – oito anos significa que muitas e muitas crianças entraram na primeira série e saíram na oitava sem terem tido o direito de freqüentar uma biblioteca, sem terem o direito de ampliarem seus conhecimentos, sem terem o direito, quem sabe, de mudarem sua vida para melhor. Eu considero uma coisa criminosa fazer tal coisa com pessoas, principalmente com crianças – os culpados por terem cortado as possibilidades de novos caminhos para tantas crianças, em algum momento das suas vidas, decerto haverão de prestar contas por tamanho crime.

O mais importante, no entanto, é que faz poucos dias que a biblioteca da sua escola foi reaberta, e o que eu queria lhes dizer é que não existe essa coisa de se ter ou não se ter hábito de leitura, como alguém me disse que as crianças da Velha Grande não tinham: quando a gente vê uma biblioteca, a gente tem que entrar, descobrir tudo o que há lá dentro, PRINCIPALMENTE o que está lá escondidinho nos livros, pois aquelas são as coisas mais preciosas, as que fazem a diferença. E depois que a gente descobre a importância do conteúdo dos livros, a gente não tem mais como passar sem eles, como ficar sem aprender mais e dar novos rumos à nossa vida. Experimentem a grande emoção que é a leitura, a grande caminhada que se pode fazer a partir de uma biblioteca – e lutem o resto das suas vidas para nunca mais ficar sem ter uma por perto. Esta biblioteca da escola pode ser o caminho para a grande biblioteca de uma universidade, para a biblioteca de uma nova vida – nunca mais deixem que a sua escola lhes corte os caminhos para um futuro que pode ser muito diferente do que agora conseguem visualizar!

Muito carinho para todos!

Sobre o Autor

Urda Alice Klueger: Escritora catarinense de Blumenau, onde vive e trabalha. Publicou inúmeros livros, entre eles "Entre condores e lhamas" e "Crônicas de Natal"

http://geocities.yahoo.com.br/prosapoesiaecia/urdaautores.htm




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