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O cansaço da Esperança

por Airo Zamoner *
publicado em 09/01/2007.

Lá vai Esperança subindo a ladeira. Quatro Barras, lá de longe, é só a torre da matriz. Nem dá para ver que é toda verde, cor que Esperança tanta gosta.

Esperança arfa o peito. A subida é longa. Já deixou as sandálias no passado, quando ainda andava na planície, na longa planície da Rua 25 de Janeiro ladeada por condomínios, antes de iniciar o aclive, num caminho escondido nas cavidades escuras de lembranças, ou deslembranças.

Isto é passado. Agora, neste limiar de mais um ano, ela se arrasta. Os passos são curtos. Curtíssimos. Lentos. Lentíssimos. Ela quase pára. Não! Ela pára mesmo. Pára um pouco. Respira fundo. Dá mais um passo, um passinho. Olha a torre verde. Longe. Muito longe. Desesperadamente longe.

Defronta-se com o atalho poeirento para a esquerda. Titubeia. Fica parada entre o pó que a sufoca e a distância que a desespera.

Os pés. Sim, pelo atalho os pés sangrarão. Poderão se contaminar. Contaminá-la por inteiro, comendo pelas entranhas a vida escassa, cansada. Ela poderá adoecer. Morrer, talvez. Se morrer, cessará todo o sofrimento.

Como num relâmpago que nas noites plúmbeas destas plagas ilumina por um átimo o Anhangava, este morro teimoso e persistente, ela teve, também por um átimo, a tentação irresistível. Resistiu.

Desistiu. Desistiu da morte. Desistiu do atalho. Não poderia imaginar Quatro Barras sem ela, o Paraná sem ela, o Sul sem ela, este país sem ela, o povo sem ela.

Ela, que já esteve tão exuberante e jovem tantas vezes, deparou-se com o cemitério, lá pelas esquerdas da paisagem. Vazio, mas cheio de silêncio. Para lá, certamente a levariam, se não resistisse ao cansaço novo como resistiu tantas vezes ao velho cansaço. Para lá a levariam se pegasse o atalho. Para lá a levariam e lá ela silenciaria para sempre, a pobre Esperança cansada da vida cansada.

Ela resiste e dá mais um passinho. A igreja já se avoluma. Já tropeça os pés nus nas pontas rústicas das pedras que mal calçam o caminho íngreme. Sangra e resiste, olhos fixos no alto da torre verde de Quatro Barras. Sangra e goteja a vida aos poucos e já não resiste mais.

O corpo amolece lentamente. As pernas dobram. Os braços balançam como boneca de pano. Desmaia, também aos poucos. O povo olha desinteressado, menos um arguto observador, membro do poder público federal, representante do estadual, assessor do municipal. O único presente a se preocupar com Esperança que desfalece.

O dedicado servidor público pega o celular e movimenta a máquina. A ambulância chega aos galopes e relinchos. Esperança vai para a maca e desaparece por uns tempos. Volta. Rejuvenescida.

Agora sim, tudo está normal. O povo volta a sofrer, mas Esperança está ali perto, viva e jovem, permitindo que tudo continue como está. Para sempre. Afinal, o que seria dos poderosos se Esperança morresse cá entre nós?



Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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