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ACABARAM COM NOSSA BOLA!

por Airo Zamoner *
publicado em 03/07/2006.

Foi na busca por trajetos inusitados que passei pela obra de um enorme "Shopping Center". Parei estarrecido. O terreno, meio ondulado, há muitos e muitos anos, foi um "campinho de futebol". Tínhamos uma grande turma de amigos. A gente se reunia nos finais de semana. Nas férias era todo o dia. O meu time era o Pindorama. O outro grupo não tinha nome. Era o time do Pedrão. A organização? Era anarquista em sua essência. Tínhamos uma única bola, de couro, com os gomos descolados. Volta e meia a levávamos para Seu Rolf colar. Nem sei quantos anos durou. Nem quanta cola o seu Rolf gastou conosco. Cada vez que chegávamos em sua oficina ele nos olhava por cima dos óculos com um sorriso gostoso.

Fechei os olhos e as antigas cenas estavam ali, coloridas, vivas do outro lado da rua. A algazarra. As brigas pela vitória. As discussões pela falta que foi ou que não foi dentro de uma área imaginária. A chuva que começava no meio de uma partida. Ninguém ligava. Ninguém parava de jogar. Dávamos a vida e o sangue por um gol, a alegria máxima. Voltávamos completamente enlameados para casa e agüentávamos todas as broncas, felizes da vida.

Um dia, toda nossa alegria e divertimento começou a morrer. Nenhum de nós percebeu este início.

Chegaram três senhores e ficaram assistindo. No intervalo, chamaram a turma em sua volta e nos deram uma bola novinha. Foi uma alegria só! Prometeram construir umas traves novas e construíram; consertar o campinho e consertaram. Já não jogavam sete de um lado e nove do outro. Sabíamos quem era mais forte e mais fraco. Criava-se um equilíbrio intuitivo. Não! Agora não podia mais. Agora tinha que ser do jeito deles. O jeito certo...

Engraçado o que aconteceu dali para frente. Perdemos alguma coisa importante, mas não sabíamos o que era. Surgiram regras, muitas regras. Já não entrava na brincadeira quem queria. Já não mandávamos em nosso time. O Pindorama passou a vestir um jogo de camisas. Colorido. Bonito. Vistoso. O outro time também. De vez em quando, um de nós era levado para treinar em algum clube importante. Muitos desapareciam do velho campinho. Em nossa inocência, achávamos que “os homens” gostavam de nossos gols e por isso nos ajudavam. A velha bola ficou largada atrás de uma das traves, com seus gomos soltos. Um dia desapareceu. Ninguém ligou. Devem ter levado para outro bairro, outro campinho. O seu Rolf nunca mais a consertou. Nunca mais vimos aquele sorriso bonito do velho alemão que jamais pediu pagamento pela cola, pelo tempo que gastava. Acho que ele sim, gostava de futebol.

Quanto àqueles três, lembro vagamente seus nomes. Nomes que ouço e leio no rádio, nos jornais de hoje.

Nosso grupo foi se desmanchando pelos calendários da vida. Alguns se tornaram famosos. Nos últimos tempos eu ia ao campinho e ficava olhando de longe. Não participava mais. Já não era a mesma anarquia gostosa de outrora. Nunca mais se continuou um jogo debaixo da chuva. Nunca mais vi a cara preta de barro do Pedrão, depois que ele mergulhava numa das fundas poças do campinho, desesperado para alcançar a bola, fazer o gol.

Agora o "Shopping Center", está nascendo naquele chão ondulado, enlameado de nossa alegria efêmera, selando para sempre alguma coisa que se corrompeu em nós.

Fecho os olhos e revivo acontecimentos. Consigo entender porque aqueles três se transformaram hoje, numa multidão. Multidão que vai precisar chafurdar em suas contas bancárias aqui e no exterior para se safar de alguns antigos membros do velho Pindorama. Gostaria muito de vê-los com a mesma cara do Pedrão.

Enlameados em suas profundas poças. Velhos amigos meus que largaram o futebol da bola nova, queremos saber por que abandonamos a velha bola do seu Rolf e por que eles acabaram com nossa bola.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

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